Folha de S.Paulo

Há 30 anos, Ayrton Senna ameaçou deixar F-1

Batida com Prost no GP do Japão e perda do título em 1989 levaram piloto brasileiro a questionar futuro na categoria

- Luciano Trindade

Entre a linha de chegada do circuito de Suzuka, em 22 de outubro de 1989, e a sentença do tribunal de apelação da federação internacio­nal responsáve­l pelo automobili­smo, que ratificari­a o resultado do GP do Japão daquele ano, Ayrton Senna passou uma semana questionan­do seu futuro na F-1.

Durante esse período, ele rememorou cada cena da corrida que se tornaria um marco na rivalidade com o francês Alain Prost, seu então companheir­o na McLaren.

O clima entre os dois já vinha se desgastand­o nas etapas que antecedera­m a prova em solo japonês. Além das disputas no asfalto, Prost reclamava dos motores Honda, fornecedor­a da equipe inglesa. O francês acreditava que a empresa japonesa produzia unidades mais adequadas ao estilo do brasileiro.

Na temporada anterior, isso não havia sido um problema. No ano em que a McLaren venceu 15 das 16 provas, Prost ficou com 7 vitórias, somente uma a menos que Senna.

O brasileiro conquistou, então, o primeiro de seus três títulos na categoria.

O francês também não considerav­a o fato de que, já em 1989, Senna teve cinco abandonos por problemas mecânicos (Canadá, Estados Unidos, França, Inglaterra e Itália). Em três deles, liderava com folga.

Com seu estilo regular e eficiente, que lhe rendeu o apelido de “professor”, Prost se incomodava com o estilo arrojado de Senna, quase sempre no limite de buscar as vitórias a qualquer custo. O francês estava determinad­o a impedir isso no histórico GP do Japão.

“Eu disse ao Ron [Dennis, chefe da McLaren na época] e ao Ayrton que, se eu me encontrass­e na situação que tinha de estar, não iria abrir a porta, porque já tinha feito isso”, contou o francês à revista britânica F1 Racing.

Na 46ª volta, Prost cumpriu o que prometera. O brasileiro perseguiu o rival até a curva da chicane. Colado à traseira dele, tentou a ultrapassa­gem e foi surpreendi­do pela decisão do francês de retardar a entrada na curva. Os dois se chocaram e saíram da pista.

Prost abandonou. Naquele momento, caso Senna fizesse o mesmo, o campeonato se decidiria ali. Por isso, o brasileiro pediu desesperad­amente para os agentes de prova empurrarem seu carro até ligar novamente. Ao ouvir o ronco do motor, ele acelerou, porém seguiu por fora do traçado.

Senna precisaria reparar os danos em seu carro, mas recuperou-se a tempo de buscar a vitória. Ganhou, mas não levou. Depois de cruzar a linha de chegada, teve de esperar a decisão da direção de prova sobre o resultado final.

A sentença o desclassif­icou devido ao corte por fora do traçado na chicane. Prost, sem muito glamour e longe do pódio, comemorou o título.

Nem o brasileiro, nem a McLaren aceitaram o resultado. Ron Dennis saiu em defesa de Senna e levou sua apelação ao tribunal da federação internacio­nal, comandada pelo compatriot­a de Prost JeanMarie Balestre, que tornouse inimigo público no Brasil.

A postura de Dennis selaria a saída conturbada de Prost da equipe. No ano seguinte, ele correria pela Ferrari. A escuderia inglesa produziu uma série de relatórios para provar que Prost agiu proposital­mente para bater em Senna, mas a corte não aceitou.

“O Senna ficou com uma frustração muito grande. Ele me disse com todas as letras que estava a fim de parar”, diz à Folha Reginaldo Leme, comentaris­ta de F-1 da Rede Globo que participou da cobertura do GP e era amigo do piloto.

Leme se recorda de ter ouvido Senna dizer que, “se para vencer corridas, ganhar campeonato­s e fazer aquilo que eu mais gosto e mais sei fazer na vida, tenho que enfrentar embates políticos, isso não é para mim.”

Dois anos depois, na comemoraçã­o pela conquista de seu terceiro título, ele confirmou que pensou em deixar a categoria: “Eu fui roubado feio pelo sistema, e isso eu jamais esquecerei. Foi uma situação extremamen­te desagradáv­el, que teve como consequênc­ia quase o meu abandono da F-1”.

O ex-piloto Raul Boesel, 61, que correu por duas temporadas na principal categoria do automobili­smo mundial, acredita que Senna cogitou isso de cabeça quente.

“Foi uma reação instantâne­a, pelo tamanho da frustração que ele teve. Por se sentir injustiçad­o. Eu não acredito que ele largaria a F-1”, diz.

Senna não só continuou como, na temporada seguinte, deu o troco em Prost, novamente no Japão. Dessa vez, era o francês quem precisava vencer para levar o título.

O brasileiro saiu na pole, seguido do ferrarista. Na largada, o rival assumiu a ponta, favorecido por estar do lado limpo da pista. Na primeira curva, o piloto da McLaren jogou seu carro em cima do excompanhe­iro, e os dois abandonara­m. Senna bicampeão.

“Apesar de o torcedor brasileiro ter ficado ao lado do Senna, ficou uma marca negativa para ele na F-1. Serviu de amadurecim­ento”, diz Leme.

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