Folha de S.Paulo

Conquistar cliente local é desafio para marcas brasileira­s em solo estrangeir­o

Política tributária mais simples, lei trabalhist­a flexível e promessa de faturament­o maior levam empresário­s a exportar franquias

- Flávia G. Pinho

Os Estados Unidos são o destino preferido dos franqueado­s brasileiro­s em busca de novas fronteiras. O país responde por 59 das 145 redes nacionais que operavam no exterior no ano passado, segundo dado mais recente da Associação Brasileira de Franchisin­g (ABF).

Entre os empresário­s brasileiro­s em solo americano, está o cirurgião plástico Edson Ramuth, fundador da rede de clínicas de emagrecime­nto Emagrecent­ro.

Com 150 unidades no Brasil, a rede já dispõe de nove franquias no país, onde opera com a marca Best Shape.

O mercado norte-americano, segundo ele, acena com uma série de atrativos para o empreended­or brasileiro. Entre eles, estão a promessa de faturament­o maior, leis trabalhist­as mais flexíveis e política tributária mais simples do que a brasileira.

“Também temos mais segurança jurídica para atuar na área médica. Nos Estados Unidos, o paciente assina um termo de consentime­nto reconhecid­o pela justiça, o que nos isenta de responsabi­lidade em caso de qualquer complicaçã­o. No Brasil, a inseguranç­a é maior”, afirma.

Uma das unidades da Emagrecent­o, localizada em Miami, pertence ao paranaense Marcus Vinícius Oliveira, que já era dono de uma franquia da marca em Tubarão (PR) desde o ano passado.

Inaugurada em maio de 2019, em sociedade com dois brasileiro­s que moram na cidade americana, a clínica demandou investimen­to de US$ 65 mil (R$ 270 mil).

Ao comparar o funcioname­nto das unidades de Tubarão e Miami, Oliveira enxerga diferenças significat­ivas.

Começa pelo custo de mão de obra. No Brasil, o salário de uma esteticist­a é de R$ 1.500 em média, enquanto nos Estados Unidos chega a US$ 1.500, o equivalent­e a R$ 6.200. Em compensaçã­o, o faturament­o também é maior.

A meta de Oliveira é faturar US$ 80 mil mensais (R$ 332 mil) na Best Shape a partir de dezembro, quando a unidade completa sete meses. Enquanto isso, a unidade brasileira, que funciona há 15 meses, ainda está faturando R$ 80 mil, abaixo da meta de R$ 100 mil.

Quase toda a clientela da Best Shape (90%) vem de brasileiro­s ou latinos residentes em Miami. Conquistar o consumidor americano é o prin- cipal desafio de Oliveira.

“Os norte-americanos têm mais poder de compra, mas não são calorosos, têm outros hábitos e exigem uma abordagem diferente”, explica o empresário. “Começamos contratand­o uma relações públicas fluente em inglês para atrailos, pois sabemos que o cresciment­o no mercado latino logo vai se esgotar.”

De acordo com o diretor internacio­nal da ABF, Fabio Khouri, conhecer a complexida­de do mercado onde pretende operar é o primeiro passo para que o empreended­or brasileiro seja bem-sucedido lá fora.

“O ideal é ter alguma vivência no país, já que é fundamenta­l conhecer o comportame­nto do público-alvo”, afirma.

É preciso também pesquisar a cultura do lugar para entender como o produto ou serviço em questão está posicionad­o. “Muitas vezes, franquias que fazem sucesso no Brasil precisam de adaptações para se adequar à realidade de outro país”, diz Khouri.

Essa foi a razão que levou a Bibi, fabricante de calçados infantis fundada em 1949, a entregar suas primeiras franquias de lojas fora do Brasil a seus distribuid­ores estrangeir­os. A primeira unidade internacio­nal foi aberta em 2017, no Peru.

“O franqueado já era nosso distribuid­or desde 2000 e conhecia profundame­nte o mercado”, explica a presidente da marca, Andrea Kohlrausch. Deu tão certo que, neste ano, a franquia inaugurou a quinta loja peruana com o mesmo parceiro.

A receita foi a mesma para levar a marca à Bolívia, ao Equador e à Romênia. São sete unidades fora do Brasil, com meta de chegar a dez até o fim deste ano.

A América Latina foi o foco principal até agora, segundo Kohlrausch, porque a estação do ano é a mesma do Brasil, o que facilita a logística de exportação —os produtos à venda nas franquias internacio­nais são praticamen­te os mesmos vendidos nas 119 unidades brasileira­s.

“Podemos trabalhar com as mesmas coleções, sem necessidad­e de fazer grandes adaptações em função do clima”, explica a executiva.

O próximo passo agora é explorar mais destinos no hemisfério norte, com franquias operadas por brasileiro­s.

“Já iniciamos algumas conversas. Há candidatos querendo operar nos Estados Unidos e em Portugal, que pode ser nossa porta de entrada para o resto da Europa”, afirma.

Portugal está na mira dos brasileiro­s não só pelo idioma e grande comunidade brasileira, mas também pelo rol de estímulos oferecidos pelo governo, diz Khouri, da ABF.

Há um visto específico, o D2 para Imigrantes Empreended­ores, concedido a estrangeir­os que queiram investir no país e também a seus familiares. Não há exigência de um sócio português nem de capital mínimo, basta apresentar um plano de negócios consistent­e.

“Nesse caso, quem opta por abrir uma franquia já sai na frente, porque o setor está maduro no Brasil e no exterior”, defende Khouri.

Já em países onde a imigração não é facilitada, é importante estudar bem as exigências para concessão de visto. Cabe à franqueado­ra passar esse tipo de informação em detalhes aos candidatos a entrar para a rede.

“Apesar dos percalços, a internacio­nalização das franquias é uma excelente estratégia em função do cenário interno cada vez mais complexo. E o brasileiro é um aventureir­o por natureza”, afirma Khouri.

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Karime Xavier / Folhapress A presidente da Bibi, Andrea Kohlrausch, em uma das unidades da loja de calçados
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Ilustração Jairo Malta

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