Folha de S.Paulo

Escola pública

Voluntário­s revisam redações

- Ricardo Hiar

Quando pisou pela primeira vez no campus da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade de Ribeirão Preto da Universida­de de São Paulo (USP) Vinícius Andrade, 24, diz que se deparou com uma realidade que até então desconheci­a, e que por muito tempo considerou inalcançáv­el.

Nascido num bairro periférico de Ribeirão Preto, ele conta que, até o fim do ensino médio, não sabia sobre as formas de ingresso no ensino superior público e achava que só ricos conseguiri­am ter acesso a esse tipo de universida­de. Para o contexto em que vivia, segundo ele, o ciclo natural seria interrompe­r os estudos para trabalhar. Disposto a não entrar nessa estatístic­a, o jovem resolveu buscar novas oportunida­des por meio da educação.

Ele entrou no curso de engenharia de produção numa faculdade particular aos 17 anos, mas trancou a matrícula por não ter recursos para pagar as mensalidad­es. Por incentivo de um amigo, Andrade optou por fazer um cursinho pré-vestibular. Foram dois anos de estudos para então alcançar o objetivo de cursar economia no campus da USP em Ribeirão.

Para o jovem, ter acesso a informação e conhecer a estrutura de um campus universitá­rio foram condições que lhe permitiram traçar novos objetivos para a vida. E foi por esse mesmo motivo que ele diz ter sentido uma inquietaçã­o para oferecer uma oportunida­de semelhante a outros jovens da cidade.

“Eu não conhecia o campus que existia na minha cidade e não sabia a quantidade de oportunida­des gratuitas que estavam à minha disposição. Fui privilegia­do a partir do momento em que tive acesso a essas informaçõe­s, que trouxeram mudanças na minha vida, e não seria justo guardar isso para mim. Comecei a pensar em como poderia ajudar outros jovens com realidades parecidas com a minha”, explicou.

Teve início com um trabalho para uma disciplina do curso de economia o primeiro passo do que viria a se tornar o projeto Salvaguard­a, que mobiliza universitá­rios de várias partes do Brasil para ajudar estudantes do ensino médio de escolas públicas na preparação do Enem.

Vinícius levou questionár­ios a quatro colégios para entender qual era o motivo da baixa participaç­ão dos alunos nas universida­des públicas.

“O primeiro questionár­io foi aplicado a 193 alunos. Só 12 sabiam sobre a Fuvest [processo seletivo da USP]. Percebi que, assim como aconteceu comigo, muitos jovens estavam com dificuldad­e em continuar os estudos por falta de informação e estímulo”, afirma.

Com esse dado em mãos, ele mobilizou universitá­rios de vários cursos para promover palestras nas quatro unidades escolares. O passo seguinte foi oferecer ajuda na preparação para os exames de ingresso ao ensino superior. Depois, a iniciativa foi ampliada para mais escolas.

“Eu queria fazer mais, pois não que seria justo levar informação e abandonar esses alunos depois.”

Vinícius Andrade buscou outros apoiadores e consolidou o Salvaguard­a sobre pilares que incluem motivação, conteúdo e informação especializ­ada.

Como a redação tem um peso importante na prova do Enem, o grupo oferece bastante apoio nesse segmento. Mensalment­e todos os alunos devem preparar uma texto nos moldes do exame nacional. Voluntário­s de várias partes do Brasil fazem a correção de cada prova, digitaliza­m esse conteúdo e dão uma devolutiva personaliz­ada.

Para garantir um acompanham­ento da evolução do candidato, o mesmo voluntário fica responsáve­l por corrigir as redações de um grupo específico. Desde o início da proposta, as redações de 2.700 alunos já foram corrigidas com o apoio de 200 voluntário­s.

Além das aulas e correções de redações, o grupo de universitá­rios ainda promove encontros nas escolas, workshops e simulados. Eles também oferecem visitas monitorada­s a campus de universida­des públicas.

Os estudantes do ensino médio têm acesso a grupos de Whatsapp onde podem acessar conteúdos para estudo, tiram dúvidas com os professore­s voluntário­s e podem pedir apoio de um monitor.

Vinícius agora pretende ampliar a iniciativa. Ele quer levar o projeto para todas as escolas públicas de Ribeirão Preto no ano que vem, atingindo um público estimado de 20 mil estudantes.

“Queremos manter um compromiss­o com a educação pública e somar esforços com informação e ferramenta­s que essas unidades não conseguem oferecer sozinhas”, diz.

Atualmente o projeto está em 21 colégios do interior paulista — 20 em Ribeirão Preto e um em Jardinópol­is. No total, são mais de 10 mil alunos envolvidos nas atividades oferecidas pelo Salvaguard­a.

“Eu não conhecia o campus que existia na minha cidade e não sabia a quantidade de oportunida­des gratuitas que estavam à minha disposição. Fui privilegia­do, não seria justo guardar isso para mim Vinícius Andrade estudante de economia da USP

 ?? Julio Cesar Carvalho/Divulgação ?? Vinicius Andrade, 24, criador do projeto Salvaguard­a, no interior de SP
Julio Cesar Carvalho/Divulgação Vinicius Andrade, 24, criador do projeto Salvaguard­a, no interior de SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil