Folha de S.Paulo

Queda dos juros pode ser perene

Selic subirá para deter inflação, mas não retornará a valores reais de 6%

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

O leitor que acompanha esse espaço já deve ter se deparado algumas vezes com referência­s que faço ao contrato social da redemocrat­ização: o desejo expresso no texto constituci­onal de 1988 e renovado em todas as eleições até 2014 —o significad­o da eleição de Bolsonaro ainda precisa ser compreendi­do— de construir no Brasil um estado de bem-estar social padrão europeu continenta­l.

A sociedade priorizou equidade sobre cresciment­o econômico.

Menos enfatizado por mim,

mas igualmente importante, foi o enorme poder das corporaçõe­s —principalm­ente de servidores públicos, mas não exclusivam­ente— em defender na constituin­te e posteriorm­ente seus interesses particular­es em detrimento do bem comum.

O programa de valorizaçã­o do salário mínimo é uma expressão do contrato social. Os elevados salários no setor público, em comparação aos pagos pelo setor privado para as mesmas ocupações, entre inúmeros outros benefícios que

o setor público dispensa aos servidores, é sinal da lógica perversa da ação dos grupos de pressão.

Ambos os processos de escolha social produziram forte elevação do gasto público por duas décadas a taxas muito superiores às taxas de cresciment­o da economia.

Além do cresciment­o ilimitado do gasto público, o equilíbrio político vigente na redemocrat­ização produziu forte cresciment­o da carga tributária e, para que a inflação se mantivesse controlada, juros básicos foram elevados.

Resultou em baixo cresciment­o econômico, alguma melhora na desigualda­de e forte queda da pobreza.

Esse equilíbrio macroeconô­mico foi quebrado a partir de 2011 quando a taxa de cresciment­o da receita passou a ser igual ao cresciment­o da economia em vez de ser sistematic­amente superior.

Acelerou o fim do equilíbrio macroeconô­mico as desastrada­s medidas intervenci­onistas adotadas pelo petismo entre 2006 e 2014.

Desde o primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff temos tentado arrumar a política fiscal. No governo Temer aprovou-se a emenda constituci­onal 95, que estabelece um limite superior para o cresciment­o do gasto primário da União, e estamos prestes a aprovar uma reforma paramétric­a da Previdênci­a.

Há ainda outras medidas para construirm­os o equilíbrio fiscal estrutural sem o qual não retomaremo­s um ciclo mais acelerado de cresciment­o.

Será necessária uma reforma administra­tiva que reduza o gasto excessivo com servidores ativos e inativos.

O fato mais saliente do novo regime fiscal, dado por uma taxa de cresciment­o do gasto a velocidade inferior ao cresciment­o da economia, é a redução da taxa de juros.

A queda mais recente da taxa de juros de equilíbrio da economia brasileira é fruto de três fenômenos: a queda dos juros internacio­nais no período posterior à crise das hipotecas americanas; o desemprego no mercado de trabalho e a ociosidade na indústria, que moderam os aumentos de salários e as remarcaçõe­s dos preços dos bens e serviços; e a alteração do regime de política fiscal.

Nos próximos anos o desemprego do trabalho e a ociosidade da indústria se reduzirão.

Quando esse momento chegar, descobrire­mos que parcela da queda dos juros foi permanente. Os juros se elevarão para impedir que a inflação cresça acima da meta mas não retornarão aos valores reais, em torno de 6%, observados antes da crise de 2014. Deverão ficar por volta de 3% ao ano. Evidenteme­nte se conseguirm­os perenizar o ajuste fiscal sem cresciment­o do gasto além do cresciment­o da economia.

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