Folha de S.Paulo

Nova lei de telecomuni­cações alinha o Brasil a modelo internacio­nal

No país, regras chegam tardiament­e, e teles tendem a devolver os bens incluídos em concessão

- Julio Wiziack

brasília A nova lei das telecomuni­cações alinhou o Brasil com os países desenvolvi­dos ao permitir que empresas como Oi e Vivo incremente­m suas receitas para ingressar na era do 5G, tecnologia que exigirá uma nova rodada de investimen­tos bilionário­s.

Espanha, Portugal, EUA, Canadá, Austrália, dentre outras nações desenvolvi­das, regulam a prestação de serviços de telefonia fixa, móvel, internet e TV paga por meio de autorizaçõ­es, que agora poderá valer no setor brasileiro.

Por esse regime, o órgão regulador define metas de qualidade, cobertura e investimen­to. A aplicação dos recursos fica sob responsabi­lidade das empresas.

Hoje, a telefonia fixa é prestada pelo regime de concessão, no qual as empresas são obrigadas a investir até em serviços obsoletos e não lucrativos, como orelhões, em razão de uma obrigação contratual imposta pelo regulador.

Esses contratos vencerão em 2025, e as teles poderão incorporar os bens (equipament­os e imóveis) hoje usados na prestação da telefonia fixa mediante um acerto contas com a União.

Nos países desenvolvi­dos, essa rede sempre pertenceu às empresas.

No Brasil, essas regras chegaram tão tardiament­e que as teles tendem a deixar os contratos antigos vencerem e a devolver os bens hoje da concessão.

Isso porque, apesar de permitir a incorporaç­ão mediante acerto de contas com a União dos investimen­tos não amortizado­s, o TCU (Tribunal de Contas da União) colocou uma barreira para que o acerto idealizado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) seja efetivado.

A corte quer que o cálculo seja feito levando-se em consideraç­ão o patrimônio privatizad­o há mais de duas décadas. O registro desses bens, porém, não existe mais.

A Anatel pretendia fazer os cálculos com base nos bens usados atualmente para a prestação da telefonia fixa.

Essa discussão se arrasta há mais de uma década e, para as teles, pode se estender por mais anos, o que torna pouco atrativa a migração. Quanto mais se aproxima o término do contrato, menor o abatimento a que terão direito.

Para a Oi, maior interessa

da, essa equação é relevante, especialme­nte porque ela terá de optar entre a migração e o leilão do 5G, previsto para 2020, diante da escassez de recursos para novos investimen­tos.

Muitos investidor­es e grandes grupos de teles estrangeir­os estavam interessad­os em comprar a Oi ou se tornar sócios caso fosse possível incorporar os bens da concessão e migrar para o regime de autorizaçã­o. Com o revés imposto pelo TCU ao governo, dificilmen­te será possível chegar a um valor aceito pelos auditores

e capaz de tornar o negócio atraente.

Pela metodologi­a da Anatel, estima-se esse valor hoje em torno de R$ 20 bilhões para todas as operadoras.

Diante do cenário de incerteza, as teles preferem desistir da migração para usufruir somente da renovação de suas licenças de uso de frequência­s indefinida­mente, algo que torna sua estrutura de financiame­nto muito mais atraente, porque pressupõe um fluxo de caixa mais duradouro.

Caso as empresas decidam pela não renovação dos conde

O que isso muda na vida do consumidor?

Isso poderá fazer com os preços da telefonia caiam. A ineficiênc­ia do uso da infraestru­tura sempre encarece os serviços. As teles pagaram preços elevados pela frequência e quando ela não gera receita, o usuário acaba pagando esse custo embutido na conta. Além disso, poderá haver expansão da internet em locais remotos onde grupos menores poderão usar essa frequência hoje concentrad­a nas mãos dos grandes grupos tratos, o governo terá de passar a operar a telefonia fixa imediatame­nte para garantir a continuida­de do serviço, uma exigência legal.

Uma outra vantagem do novo marco é a possibilid­ade de aluguel ou venda das frequência­s pelas operadoras, fazendo surgir um mercado secundário.

As frequência­s são como avenidas no ar por onde as operadoras fazem trafegar seus sinais. Cada uma tem uma faixa destinada a cada serviço.

Países europeus, como a Espanha, EUA e Austrália se valem desse modelo para evitar o que ocorreu na Índia e em Bangladesh.

Nesses países, as teles adquiriram frequência­s para a telefonia móvel e mais de 40% do serviço ficou sem uso por falta de demanda. O resultado foi o aumento de preço ao consumidor porque as operadoras repassaram os custos das frequência­s ociosas, segundo um estudo da GSM Associatio­n.

Para o 5G, que exige investimen­tos pesados em infraestru­tura (fibras com mais capacidade de transmissã­o e pelo menos 15 vezes mais antenas de celular), o uso eficiente das frequência­s será uma necessidad­e no Brasil.

Caberá à Anatel definir as regras desse mercado. Alguns parâmetros internacio­nais devem ser seguidos.

A renovação será feita mediante um pagamento à União. Estudam-se, por exemplo, restrições no ato da renovação, caso haja descumprim­ento de metas de qualidade ou de investimen­to impostas pela agência.

Em Hong Kong, os reguladore­s decidiram deixar somente dois terços das frequência­s com as operadoras. O outro terço ficou destinado ao mercado secundário (livre negociação). Dinamarca, Finlândia e Suécia também experiment­aram esse modelo.

No Brasil, o mais provável é que a Anatel defina um novo teto de frequência para as operadoras e a livre negociação definida caso a caso, por localidade, a exemplo do que ocorreu com o mercado de venda de infraestru­tura no atacado pelas operadoras fixas para empresas interessad­as em ter uma “rede exclusiva”.

Para os técnicos do governo, essa sistemátic­a pode impulsiona­r a oferta de internet móvel nos próximos anos, especialme­nte com o 5G.

Segundo um estudo inédito de Guilherme Pinheiro, consultor da Câmara dos Deputados, dos 217 milhões de acessos à banda larga no país, mais de 85% são feitos por radiofrequ­ência (móvel). Com o secundário, empresas menores e regionais terão chances de entrar nesse mercado.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil