Decisão de Toffoli trava ao menos 700 investigações
Suspensão de apurações baseadas em dados de órgãos como o antigo Coaf afeta casos de sonegação e lavagem
Dados da Procuradoria-Geral da República obtidos pela Folha mostram que ao menos 700 investigações e processos judiciais foram paralisados desde que, em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle como a Receita e o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
A medida travou, em especial, apurações sobre crimes contra a ordem tributária (307), como sonegação, e de lavagem de ativos adquiridos ilegalmente (151).
O levantamento foi feito pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pela área criminal. Para a coordenadora do órgão, Luiza Frischeisen, “qualquer apuração” sobre o patrimônio e as movimentações financeiras de criminosos está inviabilizada.
A decisão de Toffoli foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e paralisou a investigação do Ministério Público do Rio envolvendo o congressista e seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
brasília Dados da Procuradoria-Geral da República obtidos pela Folha mostram que ao menos 700 investigações e processos judiciais foram paralisados desde que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle como a Receita Federal e o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
A medida travou principalmente apurações sobre crimes contra a ordem tributária (307), como sonegação, e relativas à lavagem de ativos obtidos ilicitamente (151), inclusive em esquemas de corrupção.
Afetou também, em menor quantidade, inquéritos, procedimentos investigativos e ações penais sobre uma gama de delitos, como contrabando, peculato (desvio de recursos públicos), golpes contra a Previdência, falsidade ideológica e tráfico de drogas.
Até 23 apurações de improbidade administrativa —que não têm natureza criminal— foram sustadas por conter informações desses órgãos.
O levantamento foi feito pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pela área criminal, com base em informações lançadas até a última quinta-feira (24) em um sistema de dados processuais pelas Procuradorias da República nos estados.
A quantidade de casos parados aumenta diariamente. O número Brasil afora é maior, pois a estatística não abarca as investigações tocadas por Ministérios Públicos estaduais.
“O impacto é muito grande e variado. Se você quer fazer uma investigação mais sofisticada de lavagem —e qualquer crime pode ser antecedente de lavagem—, precisa dos relatórios do Coaf e da Receita”, afirma a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara.
A principal atuação do antigo Coaf, rebatizado no governo Bolsonaro de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), era a produção de RIFs (relatórios de inteligência financeira), que apontam operações suspeitas em bancos, cartórios e galerias de arte, entre outras instituições —o que é considerado essencial por investigadores em temas variados.
O órgão foi posto sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça no início do ano, como parte da estratégia do ministro Sergio Moro para fortalecer seu papel de apoio em investigações. O Congresso, porém, reverteu a decisão e o devolveu ao Ministério da Economia em maio. Em agosto, ele foi transferido para o Banco Central e mudou de nome.
O presidente do STF mandou sustar em julho todos os processos e investigações baseados em dados fiscais e bancários detalhados obtidos sem prévia autorização judicial.
Para Toffoli, os relatórios devem se limitar à identificação de titulares de operações bancárias e do valor global movimentado. No entendimento dele, a descrição de pormenores exige aval da Justiça.
A decisão foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e paralisou a apuração do Ministé
País tem ao menos 700 investigações e processos parados após decisão de Toffoli sobre Coaf O que decidiu o Supremo
Em julho, a pedido de Flávio Bolsonaro, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, suspendeu investigações criminais envolvendo relatórios de órgãos de controle (como o Coaf) que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para tal rio Público do Rio de Janeiro sobre o congressista.
As suspeitas tiveram origem na movimentação atípica de R$ 1,2 milhão detectada pelo Coaf nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa.
O pedido do senador pegou carona em um processo que já tramitava na corte e só tratava de dados da Receita, mas Toffoli estendeu a discussão ao Coaf e ao Banco Central.
Pela decisão, os casos criminais ficam suspensos até que o Supremo se reúna para julgar em definitivo a controvérsia, o que deve ocorrer em 21 de novembro.
Para a PGR, a decisão mata investigações na origem.
Os procedimentos de sonegação, por exemplo, são abertos com base em representações da Receita (responsável, na esfera administrativa, pela apuração do débito fiscal).
Essas denúncias são sempre acompanhadas da declaração de Imposto de Renda do contribuinte —documento que detalha dados fiscais e está no escopo da decisão de Toffoli.
Outro problema é que os investigadores só podem pedir a quebra de sigilo bancário, medida invasiva e necessária no aprofundamento de vários tipos de crime, se tiverem indícios de ilegalidades —caso contrário, a Justiça não a autoriza. Esses elementos prévios frequentemente são verificados nos relatórios do Coaf.
Para Frischeisen, está inviabilizada “qualquer apuração” sobre o patrimônio e as movimentações financeiras de criminosos. “Como você vai pedir uma quebra de sigilo bancário se você não tem o relatório de inteligência financeira? Raramente terá elementos para pedir”, afirma.
Para a subprocuradora, a decisão de Toffoli é genérica e tem suscitado dúvidas sobre em que situações deve ser efetivamente aplicada. Diante disso, procuradores têm pausado quaisquer apurações que contenham relatórios dos órgãos de controle obtidos sem ordem judicial.
“A decisão criou uma insegurança jurídica tremenda”, diz.
Os dados da PGR indicam que, do total de casos, ao menos 65% foram sustados pelos próprios investigadores, na fase de apuração, sem que as defesas dos investigados provocassem a Justiça.
A decisão de Toffoli travou, por exemplo, ação penal em que o ex-senador Agripino Maia (DEM-RN) é acusado de contratar um funcionário fantasma em seu gabinete e de repassar o salário a um de seus primos. Uma investigação que trata de assunto correlato também parou.
Em São Paulo, está congelada ação penal em que o ex-deputado estadual Abelardo Camarinha (PSB) é acusado de fraudes para ocultar a propriedade de rádios e outros veículos de comunicação.
No Sul, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) sobrestou ao menos 30 processos sobre crimes tributários, segundo dados obtidos pela reportagem.
Como mostrou a Folha em setembro, a ordem de Toffoli fez as atividades do antigo Coaf despencarem. Em agosto, o órgão elaborou 136 RIFs, patamar de período anterior à Operação Lava Jato. Na média do primeiro semestre, eram 741 por mês. No mês passado, foram feitos 154 documentos.