Folha de S.Paulo

Fernández e Macri invertem papéis na eleição argentina

Kirchneris­ta já age como eleito e se encontra com líderes, enquanto presidente roda país em comícios

- Sylvia Colombo

Após as primárias de agosto, Mauricio Macri tentou recuperar votos nas ruas, porta a porta, enquanto Alberto Fernández, favorito para vencer o pleito, começou a dialogar com o chamado “mercado”, que já o considera o novo presidente argentino.

O candidato prómercado passou os últimos 30 dias fazendo 30 comícios para multidões em 30 diferentes cidades do país. Se jogou do palco sobre o público, como um astro de rock, abraçou e brincou com crianças e bebês e até beijou o pé de uma fã sua de mais de 70 anos, chamando-a de “minha Cinderela”.

Pediu aos apoiadores que entoassem o mantra “sí, se puede” e levou sua bela mulher, Juliana Awada, a tiracolo para todos os lados, beijando-a publicamen­te em várias ocasiões.

Enquanto isso, o candidato considerad­o “populista”, da vertente esquerdist­a do peronismo chamada de kirchneris­mo —nascida com o casal de ex-presidente­s Néstor e Cristina Kirchner— tem se reunido com empresário­s, banqueiros, autoridade­s do FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) e feito viagens ao exterior para se encontrar com líderes na Europa e no México. Algo parece errado? Pois a curiosa inversão de papéis entre o presidente Mauricio Macri, 60, e o opositor Alberto Fernández, 60, é o efeito mais visível do resultado das eleições primárias, realizadas em agosto último.

No pleito, o atual mandatário de centro-direita ficou nada menos que 15 pontos atrás de seu rival, o candidato que a senadora e ex-mandatária, Cristina Kirchner, escolheu para liderar a chapa em que aparece como postulante a vice.

Macri e Fernández medem forças no primeiro turno das eleições argentinas neste domingo (27). Todas as pesquisas apontam o opositor como vencedor já nessa rodada, com distâncias que vão de 13 a 20 pontos percentuai­s, dependendo do levantamen­to.

Na Argentina, para se eleger presidente, o candidato precisa obter 45% dos votos ou índice superior a 40%, desde que a distância para o segundo colocado seja de ao menos dez pontos percentuai­s.

Imediatame­nte, Macri lançou a estratégia de recuperar votos nas ruas, porta a porta, enquanto Fernández começou a dialogar com o mercado, que já o considera o novo presidente da Argentina. Se de fato vencer, ele assume o cargo no dia 10 de dezembro.

Nos dois debates, realizados nos dois últimos domingos, a rivalidade entre ambos se acirrou. Fernández chamou Macri de “mentiroso” e “ir

responsáve­l”, e o presidente disse que Fernández “estava de volta com o dedinho acusador” —fazendo referência a um modo de se expressar e de realizar ataques tanto de

Cristina quanto de Fernández, que costumam apontar o dedo na direção de quem quer que seja o alvo no momento.

Okirchneri­sta diz já tero próximo ministério armado e afirma

que Cristina não teria ingerência sobre essas escolhas.

Os nomes que mais circulam como prováveis líderes de pastas são os de Santiago Cafiero (chefe de gabinete), Felipe Solá

(relações exteriores), Eduardo “Wado” de Pedro (interior) e Matías Kulfas (economia).

Já Macri só tem tempo para seus assessores de imagem e para a calculador­a. Uma fonte próxima ao presidente na Casa Rosada afirma que a convicção de que um segundo turno é possível é muito real —e teria tido início nos primeiros comícios da turnê “Sí, Se Puede”, que de fato impression­am pela quantidade de participan­tes.

Nas primárias, foram votar 75% dos eleitores. Se os comícios funcionare­m, calcula o governo, essa base poderia ser estendida para 80%. Com os votos dos nanicos de direita Juan José Gómez Centurión e José Luis Espert, cujos eleitores dificilmen­te se identifica­riam com o peronismo, o segundo turno começa a parecer palpável, afirma a fonte.

O fato é que o argentino está indo votar neste domingo marcado pela frustração. Especialme­nte com a economia.

Os números mostram uma inflação de mais de 50% nos últimos 12 meses, o desemprego em 10,1% e perspectiv­a de encolhimen­to do PIB, além do aumento da pobreza.

“É normal que as pessoas vejam o peronismo como solução. Num país que foi governado por sete décadas por peronistas, quando um governo não peronista fracassa, pedese o peronismo de volta”, diz o sociólogo Juan José Sebreli.

Segundo o Pew Research Center, o pessimismo marca a votação deste domingo. Os dados mostram 82% da população descontent­es com o modo como o país é governado hoje. Sobre a situação econômica do país, 83% afirmam que ela é é ruim. Apenas 15% dizem acreditar que esse quadro pode melhorar.

Sebreli afirma, também, que há uma relação e algo de efeito contágio entre o voto de castigo que os argentinos devem aplicar a Macri neste domingo e o que está ocorrendo em países como Chile e Equador.

“É um fenômeno global em linhas gerais, de crise da democracia representa­tiva, e que nos países da América Latina está se expressand­o assim. E é uma crise complicada, porque não temos nada melhor que a democracia representa­tiva para substituir a ela mesma.”

Encerrados os atos de campanha na quinta-feira (24), Mauricio Macri reuniu os ministros para um “asado” (churrasco) na residência oficial, em Olivos, na sexta-feira (25).

Seu plano é votar no domingo ainda pela manhã e depois esperar o resultado na quinta Los Abrojos, que pertence a sua família. No fim do dia, ele deve comparecer ao “bunker” da coalizão para festejar ou reconhecer a derrota.

Enquanto isso, Fernández diz estar tendo conversas com sua mulher, a jornalista Fabiola Yañez, 38, sobre se devem se mudar ou não para a residência de Olivos. Afinal, moram em Puerto Madero, a poucas quadras da Casa Rosada, junto com uma das estrelas de sua campanha eleitoral, seu cachorro Dylan.

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Agustin Marcarian /Reuters O candidato Alberto Fernández, que tem Cristina Kirchner como vice, participa de evento em Mar del Plata
 ?? Carlos Garcia Rawlins/Reuters ?? O presidente argentino e candidato à reeleição, Mauricio Macri, em comício na cidade de Córdoba
Carlos Garcia Rawlins/Reuters O presidente argentino e candidato à reeleição, Mauricio Macri, em comício na cidade de Córdoba

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