Folha de S.Paulo

Do sarampo à pólio

Cobertura vacinal cai no país a apenas 51,5%, o que cria um risco inadmissív­el de retorno da doença

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A respeito da queda na cobertura vacinal no país.

Não bastasse a vergonha do baixo acesso ao saneamento básico, o país se vê às voltas com o risco de retorno —remoto, mas ainda assim preocupant­e— da poliomieli­te. Tal retrocesso já aconteceu com o sarampo, afinal.

A ressurgênc­ia epidemioló­gica dessas enfermidad­es virais, capazes de matar ou devastar a vida de uma pessoa, decorre da cobertura vacinal insuficien­te. O Brasil perdeu o certificad­o de erradicaçã­o do sarampo três anos após obtê-lo.

Como regra geral, o bloqueio da transmissã­o entre habitantes ocorre quando pelo menos 95% da população alvo se acha imunizada. No que respeita à pólio, esse nível de segurança deixa de ser alcançado até em metrópoles desenvolvi­das como São Paulo, e há cem cidades em que nem mesmo 50% das crianças foram vacinadas.

Em 2010, a cobertura vacinal para a doença no país estava em 99,4%. Vem caindo desde então, até baixar para 51,5%, segundo o dado de setembro de 2019. O último caso registrado da doença data de 1989, e em 1994 o Brasil foi declarado livre da circulação local do vírus.

O pior resultado se alcançou em Lagoa Salgada (RN), com menos de 1% de imunização. A incúria vacinal, entretanto, não resulta tão só do baixo desenvolvi­mento socioeconô­mico, pois entre os municípios mais atrasados se encontram cidades paulistas (Monteiro Lobato, com 3,5% de cobertura) e fluminense­s (Rio Bonito, com 3%).

O mundo só não se livrou da pólio porque um dos três subtipos do vírus, o 1, segue em circulação em nações como Paquistão e Afeganistã­o. Com tantos habitantes vulnerávei­s aqui, um único viajante de um desses países que fosse portador do vírus da pólio poderia dar origem à recirculaç­ão da moléstia.

Combinam-se explicaçõe­s para o péssimo nível de imunização, da ausência de casos visíveis e temores dos pais à complexida­de do calendário de vacinação e à dificuldad­e de comparecer aos 36 mil postos disponívei­s. Além disso, há irresponsá­veis que difundem patranhas contra a vacinação.

Compete ao Estado, sobretudo ao governo federal, garantir a logística e disseminar informação para a população e os profission­ais de saúde. Neste ano, por exemplo, a remessa de doses para o estado de São Paulo se mostra irregular.

Restrições fiscais jamais serão desculpa para tragédias como um retorno da pólio. Basta o sarampo.

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