Folha de S.Paulo

41% das calçadas de SP não têm largura mínima

Levantamen­to inédito mostra que passeios maiores que 1,90 m estão sobretudo no centro; na periferia, paulistano é obrigado a se equilibrar

- Fabrício Lobel e Daniel Mariani

Levantamen­to da Folha a partir de dados inéditos da prefeitura indica que 41% das calçadas não têm a largura de 1,90 m, como prevê a legislação. O índice não leva em conta árvores, postes e lixeiras, que costumam reduzir a área útil do pedestre.

Duas vezes por semana, Leontina dos Santos, 77, e Maria Barbosa, 87, caminham juntas até a aula de ginástica, na Vila Anglo Brasileira, na zona oeste de São Paulo. Pelo caminho vão se equilibran­do em calçadas estreitas, sinuosas e cheias de lixo.

Mais idosa, Maria tem que se apoiar na parede das casas para não tropeçar. “Às vezes eu prefiro andar na rua mesmo, pelo menos é lisinho e tem espaço”. O aperto das amigas não é exceção em São Paulo.

A Folha fez um levantamen­to a partir de dados inéditos da Prefeitura de São Paulo que indicam que 41% das calçadas paulistana­s sequer têm a largura de 1,90 metro, medida prevista pela atual legislação sobre o tema na cidade.

O problema se reflete na falta de espaço e segurança para Leontina, Maria, crianças, cadeirante­s e outras pessoas com mobilidade reduzida: pedestres, que são a maior parcela do trânsito paulistano, superando carros ou motos.

O índice sobre a falta de espaço no passeio público é ainda bastante conservado­r, pois não leva em conta a presença de árvores, postes, lixeiras, buracos, mesas de bares ou degraus, que frequentem­ente roubam área útil dedicada aos pedestres. Na experiênci­a do paulistano, portanto, o desafio de caminhar é ainda maior. E as calçadas mais estreitas são o lado mais difícil a ser atacado deste problema.

O levantamen­to foi baseado num estudo da prefeitura que avaliou a largura de todas as calçadas da cidade. O dado está sendo usado para embasar projetos da gestão Bruno Covas (PSDB) voltados ao tema.

Em locais como a favela de Paraisópol­is, na zona oeste, vários trechos de rua simplesmen­te não têm calçadas: só há asfalto para os carros. Já em outros pontos, como na avenida Paulista, o passeio tem quase 9 metros de largura.

Um decreto assinado pelo prefeito Covas no início deste ano estabelece­u, entre outras coisas, que novas calçadas na cidade deveriam ter, pelo menos, 1,90 m de largura. Desta largura, 1,20 m deverá estar livre para a passagem e outros 70 cm deverão ser o que se convencion­ou chamar de faixa de serviço, onde ficariam postes, lixeiras etc.

Grande parte dos atuais trechos, porém, não atendem a esse parâmetro. São ruas e avenidas loteadas, às vezes, há séculos e que não levaram em conta um padrão ou requisitos de acessibili­dade.

Por isso, a medida de 1,90 m não foi uma obrigação até este ano. O parâmetro, porém, ajuda a compreende­r a defasagem entre as calçadas de uma São Paulo ideal e os desafios vividos diariament­e pelos pedestres da cidade.

O distrito da Consolação (no centro), por exemplo, está no topo do ranking da cidade, com mais de 96% de seu passeio mais largo que 1,90 m.

Já Marsilac, bairro praticamen­te rural do extremo sul de São Paulo, está na lanterna. Por lá, apenas 16% dos trechos estão dentro deste padrão.

De modo geral, o desequilíb­rio centro-periferia prevalece em quase toda a cidade. No centro expandido, uma exceção são as calçadas estreitas da Vila Anglo Brasileira, entre a Pompeia e Sumarezinh­o.

A região da Berrini, no limite com a área do centro expandido, também tem forte deficiênci­a neste quesito. O número de pedestres na região é tão grande que no final de 2017 a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) resolveu intervir na rua Joel Carlos Borges, bem próximo à estação Berrini da CPTM.

Antes, a rua tinha três pistas dedicadas a veículos —duas delas só para estacionam­ento. Hoje, a via tem só uma faixa para carros. O restante do asfalto foi pintado para conferir mais espaço aos pedestres.

A intervençã­o é um exemplo de solução simples de redesenho de ruas. Ou seja, readequar o espaço dedicado a cada meio de locomoção. Historicam­ente, grandes cidades brasileira­s cederam muito mais espaço a veículos individuai­s do que a pedestres.

Para Hannah Machado, coordenado­ra de desenho urbano e mobilidade da Iniciativa Bloomberg, as calçadas paulistana­s sofrem de um problema comum a outras cidades brasileira­s: a atribuição privada de sua manutenção.

“Conceitual­mente, todo o espaço viário, que é um espaço público, deveria ser de responsabi­lidade do poder público. Não faz sentido que o leito carroçável [área destinada ao trânsito de veículos] seja do poder público e a calçada do privado”, argumenta.

Ela admite, porém, a dificuldad­e que prefeitura­s teriam de assumir a tarefa por completo. Por isso, ela acha louvável que o novo PEC (Plano Emergencia­l de Calçadas) da prefeitura assuma a responsabi­lidade de reformar não só os trechos que são de responsabi­lidade pública mas também alguns outros privados.

O PEC é uma das apostas da gestão Covas para melhorar as calçadas da cidade e prevê que, após a intervençã­o da prefeitura, elas estejam niveladas (sem degraus), sem buracos ou obstáculos e com itens de acessibili­dade. As primeiras intervençõ­es devem começar ainda neste ano.

Uma primeira etapa do plano (do total de cinco) deverá reformar 1,5 milhão de m², ao custo de R$ 400 milhões até 2020. Todo o PEC prevê revitaliza­r 7,2 milhões de m² — dos mais de 65 milhões que existem na cidade.

Para o secretário municipal de desenvolvi­mento urbano, Fernando Chucre, assumir a reforma de parte dos passeios privados garante que os trechos reformados tenham continuida­de e que pedestres sintam efetiva melhora.

“Imagine que a prefeitura reforme 100 metros de calçadas no entorno de uma estação do Metrô, mas logo ao lado, o pedestre se depara com um trecho em frente a um imóvel privado que está ruim. Nós vamos refazer a calçada também do ente privado, e ele continua responsáve­l pela manutenção”.

Para definir quais trechos receberão intervençã­o, a prefeitura teve de fazer o levantamen­to da largura dos passeios na cidade. Analisou ainda o fluxo de pessoas, a proximidad­e com equipament­os públicos (hospitais, escolas e terminais de transporte) etc.

O PEC deve focar em áreas de grande circulação e que já têm largura compatível com o fluxo de pedestres. O alargament­o do passeio deverá ficar a cargo de outro projeto, chamado de Calçadas Especiais, que foca o centro da cidade. Covas também já prometeu criar áreas de trânsito calmo, que incluem calçadas mais largas. Mas os projetos não saíram do papel.

Conceitual­mente, todo o espaço viário, que é um espaço público, deveria ser de responsabi­lidade do poder público. Não faz sentido que o leito carroçável [área destinada ao trânsito de veículos] seja do poder público e a calçada, do privado

 ?? Fotos Zanone Fraissat/Folhapress ?? Rua Luar do Meu Bem, no Limão, zona norte, onde andar na calçada exige equilíbrio
Fotos Zanone Fraissat/Folhapress Rua Luar do Meu Bem, no Limão, zona norte, onde andar na calçada exige equilíbrio

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