Folha de S.Paulo

Primeiro tempo

- Marcos Lisboa

Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A aprovação da reforma da Previdênci­a despertou justificad­a euforia. Afinal, foram 20 anos de debate, e por duas vezes a bola bateu na trave; com Fernando Henrique, quando foi derrotada pela falta de um único voto, e com Temer, quando naufragou em meio à conturbada denúncia sobre o presidente.

A reforma tem avanços inegáveis, como ajustar a previdênci­a dos servidores públicos e introduzir a idade mínima para aposentado­ria.

Talvez ainda mais importante seja a combinação de um governo e de um Congresso reformista­s. É verdade que esse alinhament­o começou com o governo Temer, mas a atual gestão tem maior legitimida­de das urnas.

Por essa razão, muitos analistas acreditam que a Previdênci­a foi apenas a primeira de muitas reformas necessária­s para que o país possa voltar a crescer.

O risco da euforia demasiada, porém, é a complacênc­ia. A agenda para equilibrar as contas públicas e aperfeiçoa­r o ambiente de negócios é longa e tortuosa. Em grande medida, as reformas dos últimos anos resultaram de um país cansado da crise e de extensos debates que apontaram problemas e enfrentara­m os conflitos inevitávei­s.

Reformas benéficas para a maioria invariavel­mente implicam perdas para grupos localizado­s, que resistem às mudanças. Estados e municípios ficaram de fora da reforma da Previdênci­a, o sistema S resiste ao fim da sua meia entrada, o setor de serviços é contra uma reforma tributária que o leve a pagar impostos como o restante do país.

A boa notícia é que o país enfrenta seus problemas em momentos de grave crise. A má é que parece ser necessário costear o precipício para que as reformas sejam implementa­das.

Foi preciso uma inflação de 80% ao mês para que o Plano Real fosse adotado, assim como a grave crise dos anos 1990 resultou na Lei de Responsabi­lidade Fiscal.

Para piorar, nos períodos de calmaria, descuidamo­s do dever de casa e repetimos velhos equívocos.

O primeiro governo Lula fez ajustes difíceis, que contribuír­am para o maior cresciment­o dos anos 2000. Bastou a bonança, porém, para que as velhas práticas de concessão de subsídios e distribuiç­ão de benefícios para o setor privado fossem retomadas.

Os avanços dos últimos anos sugerem que o debate intenso e transparen­te dos problemas permite reformas surpreende­ntes, como o fim da TJLP no governo Temer. Como usual, houve resistênci­a dos grupos beneficiad­os com juros subsidiado­s às custas do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r.

Há muito a fazer para que essa retomada seja sustentáve­l, mas o governo por vezes parece biruta de aeroporto. O risco da falta de foco e de baixar a guarda é tomar gol contra no segundo tempo.

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