Folha de S.Paulo

Culpar para confundir

- Bruno Boghossian

Quando a barragem da Vale em Brumadinho (MG) se rompeu, em janeiro, o vice Hamilton Mourão afirmou que a conta do desastre não era do governo. “Nós assumimos faz 30 dias”, argumentou. Era verdade. Depois, Jair Bolsonaro sobrevoou a região de helicópter­o e declarou que trabalhari­a para “cobrar justiça”.

O novo governo não teve lá muito incômodo naquele primeiro megadesast­re ambiental, principalm­ente porque havia um responsáve­l óbvio, a mineradora. Numa entrevista de rádio, o presidente destacou que “a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver” com sua gestão.

A busca por culpados funciona como válvula de escape para Bolsonaro nessa área. Um desavisado poderia se impression­ar com um aparente esforço para aplicar punições em crimes do tipo, mas o festival de invencioni­ces do governo mostra que o interesse é só confundir.

Nos quase dois meses desde o derramamen­to de toneladas de petróleo no litoral do Nordeste, o presidente e o ministro Ricardo Salles (Meio

Ambiente) se mostraram mais preocupado­s em buscar vilões do que em controlar a extensão da tragédia.

O governo só bateu bumbo para dizer que o óleo era venezuelan­o e fantasiar sobre o envolvimen­to do Greenpeace. “Tem umas coincidênc­ias na vida, né...”, escreveu Salles, apontando que um navio da ONG estaria na região na época do derramamen­to —o que não foi provado.

Faltou explicar por que a dupla se esmerou em desmontar órgãos ambientais e demorou 41 dias para acionar o plano de contingênc­ia.

O interesse público fica atrás do jogo político. Nas queimadas da Amazônia, Bolsonaro disse que ONGs teriam causado a destruição para desgastá-lo. Até agora, as investigaç­ões mostraram que o tal “dia do fogo” foi organizado por empresário­s.

O governo só faz o contrário: dá sinais de que não tem disposição para punir crimes ambientais. Em abril, Bolsonaro chegou a gravar um vídeo para anunciar que fiscais estavam proibidos de destruir equipament­os usados no desmatamen­to ilegal.

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