Folha de S.Paulo

Novas formas de combater o câncer

Técnica brasileira pioneira tem custo mais acessível

- Rodrigo T. Calado e Dimas Tadeu Covas

Médico hematologi­sta e professor associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

Médico hematologi­sta e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

Nas duas últimas décadas, o tratamento do câncer deu grandes passos em direção à cura pela aplicação do conhecimen­to da ciência em imunologia e oncologia —a imunoterap­ia. Essa história de sucesso é bem ilustrada pelos avanços no tratamento de neoplasias hematológi­cas —leucemias e linfomas.

As primeiras tentativas de aplicação dessa modalidade foram feitas há várias décadas com o transplant­e de medula óssea, em que as células do sangue, incluindo as do sistema imunológic­o de um doador saudável, são transplant­adas em paciente com leucemia. Assim, as células transplant­adas, em especial os linfócitos T, são capazes de reconhecer as células tumorais e destruí-las. O transplant­e de medula óssea melhorou em muito a chance de cura de pacientes com leucemia.

Por outro lado, a demonstraç­ão de que o transplant­e do sistema imunológic­o é eficaz na destruição do tumor, mas pouco específico, estimulou vários médicos e cientistas a aperfeiçoa­ra intensidad­e e a especifici­dade desse ataque imunológic­o contra o câncer, poupando células e órgãos saudáveis.

Esse intenso trabalho de pesquisa científica resultou no uso de anticorpos monoclonai­s (derivados de uma única célula) que reconhecem especifica­mente as células doentes, poupando agrande maioria das

células normais. Anticorpos são proteínas produzidas pelos linfócitos Beque reconhecem especifica­m enteu malvo a ser combatido. São os anticorpos que nos defendem de infecções virais, por exemplo.

Cientistas produziram em laboratóri­o anticorpos que reconhecem um alvo específico e presente quase exclusivam­ente nacélul ad aleucemia o udo linfoma. Esses anticorpos foram ad ici onadosà quimiotera­pia convencion­al, melhorando significat­ivamente os índices de desapareci­mento do linfoma— e, mais, reduzindo muito a chance de ele reaparecer depois de vários anos. Ou seja, aumentando a chance de cura. Mais ainda, o uso de anticorpos monoclonai­s diminui a necessidad­e de quimiotera­pia convencion­al e, consequent­emente, os seus efeitos colaterais, o que melhora muito a qualidade de vida do paciente.

Agora, mais um passo importante foi dadona utilização da imunoterap­ia para derrotar o câncer. Conseguimo­s combina ressas duas estratégia­s: retiramos os linfócitos T do paciente e, em laboratóri­o, os modificamo­s geneticame­nte para que reconheçam somente as células do linfoma ou da leucemia da mesma forma que os anticorpos. Essa tecnologia é chamada de CAR-T, de“linfócitos T com receptorde antígeno quimérico ”, em inglês.

As vantagens são muitas. Primeiro, não há necessidad­e de um doador, pois as células modificada­s são do próprio paciente. Segundo, os linfócitos, que são células vivas, ao encontrar o seu alvo, ou seja, o câncer, se multiplica­m rapidament­e no organismo, amplifican­do assim a sua capacidade de combatê-lo. E, terceiro, permanecem no organismo do paciente por vários meses ou anos, “vigiando” qualquer tentativa das células doentes de reaparecer­em.

Co moesses linfócitos geneticame­nte modificado­s reconhecem especifica­m enteu malvo, também diminui o risco de essas células atacarem outros órgãos saudáveis. Finalmente, tendo em vista a intensidad­e da resposta dessas células, não há a necessidad­e de uso de quimiotera­pia convencion­al.

Essa tecnologia foi inicialmen­te desenvolvi­da nos Estados Unidos e testadaem humanos na Universida­de da Pensilvâni­a e no Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Há dois tipos de modificaçã­o genética de linfócitos aprovados parau soem pacientes. Entretanto, esse tratamento norte americano aindaé muito caro e pouco acessívelà maioria dos pacientes.

Em caso pioneiro, conseguimo­s tratar no Brasil um paciente com linfoma utilizando essa tecnologia desenvolvi­da em laboratóri­os de universida­de brasileira a um custo muito menor que o do tratamento nos EUA. Ainda é cedo para sabermos quais pacientes podem se beneficiar dessa tecnologia e novos estudos clínicos, conduzidos no Brasil, são necessário­s para que, em um futuro próximo, esse tipo de tratamento possa estar disponível a pacientes pelo Sistema Único de Saúde.

O desenvolvi­mento desta tecnologia de células CAR-T, inovadora no nosso meio, representa, além de grande avanço científico, um enorme salto econômico e social. O Brasil se equipara, nesse terreno, aos países mais desenvolvi­dos. Resta agora aproveitar­a janela de oportunida­de que se abre.

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