Novas formas de combater o câncer
Técnica brasileira pioneira tem custo mais acessível
Médico hematologista e professor associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP
Médico hematologista e professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP
Nas duas últimas décadas, o tratamento do câncer deu grandes passos em direção à cura pela aplicação do conhecimento da ciência em imunologia e oncologia —a imunoterapia. Essa história de sucesso é bem ilustrada pelos avanços no tratamento de neoplasias hematológicas —leucemias e linfomas.
As primeiras tentativas de aplicação dessa modalidade foram feitas há várias décadas com o transplante de medula óssea, em que as células do sangue, incluindo as do sistema imunológico de um doador saudável, são transplantadas em paciente com leucemia. Assim, as células transplantadas, em especial os linfócitos T, são capazes de reconhecer as células tumorais e destruí-las. O transplante de medula óssea melhorou em muito a chance de cura de pacientes com leucemia.
Por outro lado, a demonstração de que o transplante do sistema imunológico é eficaz na destruição do tumor, mas pouco específico, estimulou vários médicos e cientistas a aperfeiçoara intensidade e a especificidade desse ataque imunológico contra o câncer, poupando células e órgãos saudáveis.
Esse intenso trabalho de pesquisa científica resultou no uso de anticorpos monoclonais (derivados de uma única célula) que reconhecem especificamente as células doentes, poupando agrande maioria das
células normais. Anticorpos são proteínas produzidas pelos linfócitos Beque reconhecem especificam enteu malvo a ser combatido. São os anticorpos que nos defendem de infecções virais, por exemplo.
Cientistas produziram em laboratório anticorpos que reconhecem um alvo específico e presente quase exclusivamente nacélul ad aleucemia o udo linfoma. Esses anticorpos foram ad ici onadosà quimioterapia convencional, melhorando significativamente os índices de desaparecimento do linfoma— e, mais, reduzindo muito a chance de ele reaparecer depois de vários anos. Ou seja, aumentando a chance de cura. Mais ainda, o uso de anticorpos monoclonais diminui a necessidade de quimioterapia convencional e, consequentemente, os seus efeitos colaterais, o que melhora muito a qualidade de vida do paciente.
Agora, mais um passo importante foi dadona utilização da imunoterapia para derrotar o câncer. Conseguimos combina ressas duas estratégias: retiramos os linfócitos T do paciente e, em laboratório, os modificamos geneticamente para que reconheçam somente as células do linfoma ou da leucemia da mesma forma que os anticorpos. Essa tecnologia é chamada de CAR-T, de“linfócitos T com receptorde antígeno quimérico ”, em inglês.
As vantagens são muitas. Primeiro, não há necessidade de um doador, pois as células modificadas são do próprio paciente. Segundo, os linfócitos, que são células vivas, ao encontrar o seu alvo, ou seja, o câncer, se multiplicam rapidamente no organismo, amplificando assim a sua capacidade de combatê-lo. E, terceiro, permanecem no organismo do paciente por vários meses ou anos, “vigiando” qualquer tentativa das células doentes de reaparecerem.
Co moesses linfócitos geneticamente modificados reconhecem especificam enteu malvo, também diminui o risco de essas células atacarem outros órgãos saudáveis. Finalmente, tendo em vista a intensidade da resposta dessas células, não há a necessidade de uso de quimioterapia convencional.
Essa tecnologia foi inicialmente desenvolvida nos Estados Unidos e testadaem humanos na Universidade da Pensilvânia e no Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Há dois tipos de modificação genética de linfócitos aprovados parau soem pacientes. Entretanto, esse tratamento norte americano aindaé muito caro e pouco acessívelà maioria dos pacientes.
Em caso pioneiro, conseguimos tratar no Brasil um paciente com linfoma utilizando essa tecnologia desenvolvida em laboratórios de universidade brasileira a um custo muito menor que o do tratamento nos EUA. Ainda é cedo para sabermos quais pacientes podem se beneficiar dessa tecnologia e novos estudos clínicos, conduzidos no Brasil, são necessários para que, em um futuro próximo, esse tipo de tratamento possa estar disponível a pacientes pelo Sistema Único de Saúde.
O desenvolvimento desta tecnologia de células CAR-T, inovadora no nosso meio, representa, além de grande avanço científico, um enorme salto econômico e social. O Brasil se equipara, nesse terreno, aos países mais desenvolvidos. Resta agora aproveitara janela de oportunidade que se abre.