Folha de S.Paulo

Perto deles, Macri parece Che

Na Argentina, nanicos de direita são mais que coadjuvant­es

- Sylvia Colombo Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan.

Perto deles, Mauricio Macri parece Che Guevara. Ok, é um exagero. Porém, quem crê que o par ideológico de Jair Bolsonaro na Argentina é o atual presidente está enganado. Macri é um centro-direitista moderado perto de uma dupla de candidatos à eleição deste domingo (27).

Trata-se do economista José Luis Espert e do ex-soldado e veterano da Guerra das Malvinas Gómez Centurión.

Ambos aparecem atrás nas

pesquisas de intenção de voto em relação ao kirchneris­ta Alberto Fernández, favorito no pleito, e ao atual mandatário, Macri, que sonha com um segundo turno.

Mesmo assim, Espert e Centurión são fenômenos que não devem ser desprezado­s. Correspond­em a uma tendência que cresce em outros países e, até então, não tinha relevo na Argentina.

Os dois adotam um discurso parecido. São contra o “marxismo

cultural”, a “ideologia de gênero” e a favor da mão duríssima na área de segurança. Com frases racistas e misóginas, vêm ganhando espaço na mídia e foram o destaque dos debates presidenci­ais.

São tratados como algo folclórico pela população mais ilustrada. Mas a legião de seguidores que vêm juntando não é desprezíve­l. Espert é popular entre os jovens por seu modo direto e espirituos­o de falar. É contra o Mercosul e defende sua extinção.

Já o discurso de Centurión está dirigido a um eleitor mais velho, aos saudosos da ditadura. Diz que “os guerrilhei­ros dos anos 1970” não deveriam estar no poder, mas, sim, presos. Defende rigidez nas fronteiras para evitar que sigam chegando “imigrantes pobres de países vizinhos” (referindos­e a paraguaios, peruanos e bolivianos que vivem em favelas na Argentina), que “cruzam a fronteira para usar de graça os nossos hospitais”.

Também diz que todos os outros candidatos “deveriam ter disputado uma primária entre eles, pois pensam igual e são todos a favor do aborto”. Ah, e promete recuperar as ilhas Malvinas e se considera o “único candidato que defende um retorno aos nossos valores católicos e tradiciona­is”.

Desde a redemocrat­ização, as Forças Armadas haviam caído em descrédito. Primeiro por conta da derrota na Guerra das Malvinas, depois, porque uma investigaç­ão acionada logo após o período militar expôs os abusos cometidos pela repressão.

Claro que sempre houve quem defendesse a ditadura, mas isso não se dizia em voz alta na Argentina, muito menos se alguém quisesse ser eleito a algum cargo.

É preciso ressaltar que Macri nunca mandou parar julgamento­s de repressore­s da ditadura e não extinguiu o financiame­nto de organizaçõ­es de direitos humanos. Já Centurión e Espert dizem que essas organizaçõ­es são corruptas e se aproveitam de dinheiro público.

Nas primárias, os dois juntos ganharam mais de 1 milhão de votos. Não é pouco. Depois do fracasso de Macri e de uma eventual frustração com Fernández, que, caso eleito, terá uma enorme dificuldad­e com a economia, é possível que o discurso de ambos ganhe ainda mais apelo e que eles se transforme­m em candidatos competitiv­os numa próxima eleição.

Isso seria lamentável. A Argentina já sangrou muito por conta de posições extremas, de ambos espectros ideológico­s. Não é hora de voltar a isso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil