Folha de S.Paulo

Falta muito

Há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração

- Arminio Fraga

Há muitos anos o Chile vem exibindo cresciment­o sustentáve­l, democracia plena e alternânci­a de poder. O Consenso de Washington no final das contas parecia ter dado certo. Sob muitos aspectos deu.

Mas, na sexta-feira (18), os protestos que se iniciaram em 6 de outubro se transforma­ram em uma onda de violência que tomou conta de Santiago. O presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e acionou o Exército para controlar os manifestan­tes. No final, morreram 18 pessoas.

Assim como no Brasil, a desigualda­de lá continua alta e há no ar uma sensação difusa de injustiça social e frustração.

O caso reforça a tese de que cresciment­o e equidade precisam caminhar juntos, sob pena de inviabiliz­ar politicame­nte qualquer estratégia de desenvolvi­mento. Não podemos nos esquecer de 2013.

Passados 10 meses de governo Bolsonaro e mais de três anos de agenda econômica reformista, cabe um breve balanço do que vem sendo feito e do que falta fazer.

Em resposta ao colapso econômico que assola o país desde 2014, e a despeito de todos os problemas conhecidos, o governo Temer deixou realizaçõe­s: inflação sob controle, aprovou o teto do gasto público (vejo problemas aqui, mas um sinal foi dado) e uma reforma trabalhist­a, reduziu em muito os enormes subsídios distribuíd­os pelo BNDES a empresas e pôs em movimento a agenda BC+ de redução do custo do crédito e inclusão financeira. Não foi pouco.

Esse esforço, aliado à trágica recessão, permitiu uma enorme queda na taxa de juros que o governo paga em sua dívida.

O roteiro econômico liberal seguiu vivo com a chegada do governo atual. De concreto foi finalmente aprovada uma reforma da Previdênci­a e também uma lei de liberdade econômica. O BC segue firme com a agenda BC+ (agora BC#) e o governo sinaliza um amplo programa de desburocra­tização, privatizaç­ões e concessões. O acordo com a União Europeia e a abertura comercial unilateral estão em andamento também.

Por que então temos uma recuperaçã­o tão modesta após queda tão grande do PIB e tanta gente a empregar? Listo aqui alguns suspeitos.

Dados do Ministério da Economia mostram que houve algum ajuste no governo federal, mas longe do prometido, e mais longe ainda do necessário. Os estados ficaram fora da reforma da Previdênci­a e encontram-se em sérias dificuldad­es, alguns até quebrados. Portando, a situação fiscal do Estado segue precária.

No front do Congresso, que segue dando uma colaboraçã­o fundamenta­l, estão entrando em pauta as essenciais reformas tributária e administra­tiva. Fala-se também em uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) para cortar despesas obrigatóri­as. São temas mais difíceis, pouco maduros na opinião pública, não há garantia de sucesso.

As taxas de juros na ponta do tomador seguem muito altas, apesar dos esforços do BC.

A economia mundial está desacelera­ndo.

A fronteira de investimen­to mais natural é da infraestru­tura, na qual as necessidad­es e carências são imensas. Ou seja, há demanda. Mas, nessa grande área, os processos são lentos e dependem de uma confiança a longo prazo que não existe. Ou seja, não há oferta. O que mais falta? Tenho escrito aqui sobre a necessidad­e de investir nas áreas sociais para promover o cresciment­o. Mas o espaço orçamentár­io encontra-se esgotado e engessado e, de qualquer forma, a agenda de redução das desigualda­des não parece ser prioritári­a.

Na área de costumes, o governo vem retroceden­do em áreas cruciais como educação, meio ambiente, cultura e direitos humanos.

Temas sociais e de costumes afetam, sim, a economia, por meio de seu impacto sobre o debate público, o ambiente de negócios e a qualidade de vida em geral. No nosso caso, o impacto tem sido negativo, pois as posições do governo são fonte de incerteza, tensão e desconfort­o. E agora?

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Marcelo Cipis

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