Folha de S.Paulo

Agência avalia corte de 30% no pedágio para destravar rodovia

Pelo contrato original, redução seria de 40%; desconto busca agilizar relicitaçã­o

- Julio Wiziack e Fábio Fabrini

A ANTT (Agência Nacional dos Transporte­s Terrestres) negocia um acordo para resolver um impasse com concession­árias que deveriam ter investido cerca de R$ 20 bilhões, em dez anos, na duplicação de rodovias e não o fizeram porque mergulhara­m em crise financeira.

Pelos contratos vigentes, as operadoras que não investem o que foi combinado são punidas com a redução do pedágio na proporção do aporte não realizado.

Isso ocorre para evitar uma apropriaçã­o indébita de recursos dos contribuin­tes que deveriam ser direcionad­os para a melhoria das pistas em obras como duplicaçõe­s, criação de alças de acesso e de nova sinalizaçã­o.

Com o objetivo de viabilizar uma devolução amigável das estradas ao poder público, para que possam ser leiloadas a novas empresas, a agência propôs dar um desconto menor durante dois anos, prazo previsto para a relicitaçã­o.

Em vez de 40% de corte, a ANTT aplicaria 30%. Os 10% recebidos a mais nas praças de pedágio só voltam para a União na hora da relicitaçã­o. Serão abatidos do valor que o poder público terá de pagar às empresas pelos investimen­tos realizados e não amortizado­s.

Cálculos preliminar­es indicam que essa indenizaçã­o ficaria em torno de R$ 6 bilhões, sendo R$ 4 bilhões somente para as concessões realizadas entre 2013 e 2015, durante a gestão Dilma Rousseff (PT).

Os técnicos do governo apostam que em dois anos será possível realizar um novo leilão. Nesse período, as próprias operadoras teriam de continuar à frente do negócio.

Por isso, o desconto menor daria uma folga no caixa para que pudessem garantir o mínimo de manutenção das vias.

Se assumisse essas estradas, o governo teria de desembolsa­r cerca de R$ 450 milhões por ano, custo para manter uma via como a BR050 (GO-MG).

O desconto menor seria uma forma de viabilizar a devolução amigável principalm­ente das concession­árias mais inadimplen­tes. Com exceção da concession­ária MGO, responsáve­l pela BR-050, nenhuma das outras seis concluiu a duplicação das estradas no prazo de cinco anos previstos no contrato.

As pendências das concession­árias foram auditadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Segundo o relatório, elas se referem a 36 obras de duplicação, construção de contornos rodoviário­s e de terceiras faixas, sob responsabi­lidade de 12 empresas que assinaram contratos para gerir estradas entre 2008 e 2009 e entre 2013 e 2015 (nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma, respectiva­mente).

Ainda de acordo com o TCU, os contratos estabelece­ram que os contratado­s deveriam ter cumprido com as obrigações independen­temente de aportes do governo ou de bancos oficiais. As concession­árias, no entanto, sustentam que o governo prometeu, na época dos leilões, apoio com financiame­ntos, o que não ocorreu.

Para ganhar as licitações dos governos petistas, as empresas ofereceram descontos muito altos nos pedágios e, logo no início da operação, já pediram revisões dos valores.

As concessões da gestão Dilma obrigavam as empresas a entregar 10% das obras de duplicação para começarem a receber tarifas.

São elas as das BRs 040 (entre DF, GO e MG), 101 (ES -BA), 153 (TO-GO), 050 (GO-MG), 163 (MT), 163 (MS), 060-153-262 (entre DF, GO e MG).

O tribunal constatou que, em cinco casos, foi feito só o necessário —ou um pouco mais— para a cobrança ser iniciada. Há casos em que as empresas se fiavam em empréstimo­s do BNDES e de outros bancos oficiais, mas eles não saíram.

Outro problema é que a situação de caixa das empresas se agravou a partir de 2014. A recessão diminuiu a quantidade de veículos nas pistas e, em consequênc­ia, a arrecadaçã­o.

Além disso, com a descoberta de esquemas de corrupção pela Lava Jato, as companhias do setor mergulhara­m em aguda crise financeira.

É o que ocorreu com a Odebrecht. A companhia tenta negociar sua participaç­ão na BR163, que passa por 19 municípios do Centro-Oeste e funciona como principal rota para a exportação da safra de soja para o porto de Santos (SP). Mas investidor­es não têm se interessad­o em comprar um contrato inadimplen­te.

As participaç­ões das demais concessões implicadas na Lava Jato eram considerad­as tóxicas por embutir um risco jurídico elevado. Os investidor­es temiam, por exemplo, ter de arcar com alguma dívida inesperada por possíveis novas irregulari­dades.

Segundo o TCU, a inércia da ANTT também contribuiu para que os investimen­tos não saíssem. Cabe ao órgão punir as companhias por descumprim­ento de contratos, o que não teria ocorrido a contento.

Somente em agosto de 2017, a ANTT declarou a caducidade da BR-153, entre Tocantins e Goiás, cuja concessão era controlada pela Galvão Engenharia.

A caducidade é um processo que extingue o contrato por descumprim­ento generaliza­do de obrigações depois de falharem todas as tentativas de reequilíbr­io e de enquadrame­nto da concession­ária.

Acertar um acordo com as empresas não é simples. Hoje, seis dentre todas as concession­árias operam com decisões judiciais que impedem a agência de aplicar multas, descontos e outras penalidade­s.

A ViaBahia conseguiu proteção judicial até contra a decretação de caducidade.

A agência pretende incluir todas as inadimplen­tes na negociação, o que resolveria o problema do estoque de quase R$ 20 bilhões em investimen­tos não realizados.

Essa negociação é possível porque, em agosto, o presidente Jair Bolsonaro baixou decreto permitindo a devolução amigável de concessões.

Uma lei de junho de 2017 instituiu a relicitaçã­o. No entanto, faltava a regulament­ação desse processo, o que só ocorreu recentemen­te.

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