Folha de S.Paulo

Reforma política

Muito ativismo pode ser pretexto para Congresso desfazer ótima reforma de 2017

- Samuel Pessôa

No segundo semestre de 2017 o Congresso Nacional aprovou projeto de reforma política que atacou o maior problema de nosso sistema político: a elevada fragmentaç­ão.

A cláusula de barreira e a vedação de coligação partidária na eleição proporcion­al, que vigorará a partir da eleição de 2020, reduzirão muito o número de partidos.

Após essa rodada de reformas a agenda de melhoria de nosso sistema político deixa de ser o desenho da eleição e passa a ser as regras internas de funcioname­nto dos partidos.

No entanto, aparenteme­nte as novas regras não terão tempo de maturar antes que novas alterações no sistema político brasileiro tramitem no Legislativ­o e possivelme­nte sejam aprovadas.

Tramita na Câmara o projeto de lei 9212 de 2017, de autoria do senador José Serra, de São Paulo, já aprovado no Senado, que institui no Brasil o voto distrital misto, inspirado no sistema alemão.

O grande problema com essa proposta é que representa mudança radical de nossas instituiçõ­es políticas. Muito difícil saber qual será o impacto. Lembremos que a Alemanha nos últimos dois séculos gerou cresciment­o econômico e nível elevado de renda per capita com sistemas políticos muito diversos. Não parece fazer sentido atribuir o bom desempenho daquela sociedade ao voto distrital misto.

Mudança institucio­nal deve ser incrementa­l. É nesse sentido que a reforma de 2017 é muito positiva. Ela muda muita na direção correta mudando pouco.

Mudança institucio­nal deve ser respeitosa ao status quo. Mudanças radicais podem produzir o seu contrário.

Após a boa reforma de 2017 a crítica que persiste ao nosso sistema eleitoral é a grande distância entre o representa­nte e o representa­do e o elevado custo de campanha.

O motivo é que na eleição proporcion­al o distrito é todo o estado. O estado de São Paulo elege 70 deputados. A campanha fica muito cara e o eleitor não está próximo do seu deputado.

Uma maneira de enfrentar esse problema observando o princípio burqueano de que reforma institucio­nal deve ser incrementa­l e respeitosa ao status quo seria subdividir os estados mais populosos em distritos menores.

Por exemplo, São Paulo poderia ser subdividid­o em dez distritos que elegeriam sete deputados cada. Os distritos seriam contíguos com a mesma população. Manteríamo­s o voto proporcion­al e todas as demais instituiçõ­es.

Haveria forte redução de custo das campanhas além de redução da distância entre o representa­nte e o representa­do.

Finalmente, como o professor de ciência política da FGV de SP Fernando Limongi tem nos lembrado, a Lava Jato mostra que parcela significat­iva da corrupção na política está associada à má governança das obras de engenharia ligadas, principalm­ente, à infraestru­tura e ao setor de petróleo.

A agenda aqui não parece ser mudar as regras eleitorais. É necessário avançar: em instrument­os que permitam ao poder público contratar a confecção de bons projetos, como foi tentado com a MP 882 que cria a figura da colação na contrataçã­o de projetos; aprimorar a lei de licitações e contratos; melhorar o seguro garantia no contrato de obras públicas; entre tantas medidas que aperfeiçoe­m a governança nesta área.

Não há mágica aqui nem há a mãe de todas as reformas. Há um trabalho meticuloso de limpar e aprimorar os marcos legais.

Muito ativismo legislativ­o com regras eleitorais pode acabar sendo pretexto para que o Congresso desfaça a ótima reforma de 2017.

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