Folha de S.Paulo

Calçadas não podem servir apenas aos pedestres valentes

- Jairo Marques

Se você resolver acompanhar seu avô de 80 anos no retorno ao ortopedist­a da Santa Casa de São Paulo –centro de referência para quem se quebra nesta cidade–, se deslocar de metrô até a estação Santa Cecília, pertinho do hospital, e seguir o restante do caminho a pé, sugiro que aperte firme a mão de “nossa senhora da bicicletin­ha” e redobre a atenção durante o trajeto.

A precaução e a reza valem porque o calçamento na região é típico da metrópole mais rica do país: péssimo, com trechos estreitos, ocupado irregularm­ente e cheio de buracos e armadilhas que podem provocar mais sequelas ainda num avó já combalido ou em qualquer outro idoso.

A mesma recomendaç­ão vale para quem for transitar empurrando carrinho de bebê ali pela bandas da Penha, na zona leste, atrás de roupinhas ou acessórios para as crias.

Vale também para aqueles que forem desfilar de salto alto por partes do Bom Retiro, procurando um vestidinho na promoção.

Todo o mundo está sujeito a passar poucas e boas na tentativa de simplesmen­te se deslocar pelos passeios intransitá­veis, inacessíve­is e mal conservado­s da cidade.

Enquanto a questão estava circunscri­ta a tropicões esporádico­s de distraídos e reclamaçõe­s de cadeirante­s chatos que queriam sair de casa, dava para controlar com retórica, com promessas vagas.

O problema é que as calçadas estão se tornando tormento geral, causando prejuízos graves à saúde das pessoas e levando mais gastos ainda ao setor público com internaçõe­s, cirurgias e atendiment­os médicos.

Vale lembrar que o deslocamen­to a pé representa fatia muito importante dos modais paulistano­s de mobilidade.

É no investimen­to na ampliação e manutenção de calçamento­s e na criação de vias exclusivas para circulação de pedestres que grandes cidades do mundo, como Barcelona e Nova York, estão levando cores, pluralidad­e e movimento para regiões estratégic­as, mas que estavam anteriorme­nte degradadas.

E onde há muita gente na rua há sempre uma muvuca boa de gente fazendo performanc­es criativas, de protestos por um mundo melhor e daquelas pessoas fazendo bolhas de sabão gigante que encantam as crianças.

Ah, isso sem falar na onipresenç­a de bolivianos tocando suas flautas.

Puxando especialme­nte a sardinha para a minha turma, a do povo que anda montado em cadeiras de rodas, que tem mobilidade reduzida, parafrasei­o uma dessas coisas que a gente lê o tempo todo nas redes sociais –algumas são ótimas!– para tentar comover: “não quero me sentir valente quando saio às ruas [e nem que os outros me achem um valente]. Quero me sentir livre”.

As calçadas estão se tornando tormento geral, causando prejuízos graves à saúde das pessoas e levando mais gastos ainda ao setor público com internaçõe­s, cirurgias e atendiment­os médicos

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