Folha de S.Paulo

Esgoto chega antes do asfalto em cidade baiana com melhor saneamento do Norte-Nordeste

Resultado de Vitória da Conquista foi alcançado com investimen­to público nos últimos dez anos; esgoto que em 2008 chegava a 45% das residência­s urbanas hoje cobre 96,7%; zona rural é desafio “Antes, era um mau cheiro enorme. Eram comuns ratos e baratas p

- João Pedro Pitombo e Raul Spinassé

vitória da conquista (ba) Um cavalo caminha pela rua de terra batida e faz uma poeira fina subir. Não há calçada, não há asfalto, as casas têm os tijolos aparentes e parte das famílias cozinha com lenha em seus quintais. Mas a rede de esgotament­o sanitário está pronta e há um bueiro em frente a cada uma das residência­s do Recanto

das Águas, bairro da periferia de Vitória da Conquista, a 518 km de Salvador.

Com 350 mil habitantes, Vitória da Conquista tem 100% de sua população atendida pelo abastecime­nto de água e 96,7% das residência­s ocupadas da zona urbana com recolhimen­to de esgoto, muito acima do índice médio do país. É a cidade do Norte-Nordeste com a melhor cobertura saneamento básico, segundo o Instituto Trata Brasil.

Também é o município do país com melhor cobertura de saneamento do país em relação ao seu Produto Interno Bruto (o PIB per capita conquisten­se é de R$ 17.991, ou 59% dos R$ 30.407 nacional).

Ou seja, é a cidade brasileira que mais fez pelo saneamento com menos dinheiro.

Esse resultado foi conquistad­o a partir do trabalho realizado nos últimos dez anos.

Em 2008, o esgoto chegava a apenas 45% das residência­s da zona urbana.

A unidade de tratamento, que se resumia a uma lagoa de decantação, ficava numa região próxima ao centro e era apelidada de “penicão” pelos moradores do entorno por causa do mau cheiro.

Hoje, Vitória da Conquista tem a maior estação de tratamento de esgoto do Nordeste, com capacidade para tratar até 533 litros por segundo. Com um tratamento em três etapas, o esgoto purificado volta aos rios após a retirada de 91% da matéria orgânica.

O sistema é maior até do que os usados nas capitais nordestina­s, que em sua maioria fazem apenas o tratamento primário do esgoto e o lançam no oceano por meio de emissários submarinos.

Além da nova estação de tratamento, os recursos foram usados ampliar da rede pela cidade, que já chega a 800 quilômetro­s de tubulações.

Ao contrário de outras cidades com alta cobertura de esgotament­o, contudo, a rede de Vitória da Conquista cresceu com investimen­tos 100% público, feito raro em um momento em que se discute um novo marco legal para o setor que permita a maior participaç­ão de empresas privadas.

Ao todo, foram aplicados pela cidade baiana R$ 120 milhões, sendo R$ 72 milhões do governo federal e R$ 48 milhões da Embasa, estatal de água e saneamento da Bahia.

“É claro que ainda temos muito a avançar na qualidade do serviço prestado. No patamar em que chegamos, a população está cada dia mais exigente e mais conhecedor­a dos seus direitos”, afirma Joselito Pires, gerente regional da Embasa em Vitória da Conquista.

O avanço da rede tem acontecido de forma alinhada com a prefeitura conquisten­se, desde 2017 sob Herzem Gusmão (MDB) e de 2009 a 2017, sob Guilherme Menezes (PT).

Assim, os sistemas de água e esgoto e de drenagem são instalados antes mesmo do asfaltamen­to e calçamento das ruas.

Dessa forma está sendo feito no loteamento Recanto das Águas, onde rede de esgoto foi instalada há três meses. Moradora do bairro há duas décadas, a aposentada Noélia Ribeiro Mota, 79, finalmente deixou de usar a fossa séptica que tinha no quintal de casa.

Com a ajuda do filho Daniel Gonçalves, 58, comprou a tubulação e ligou à rede aos ralos das pias e ao vaso sanitário da sua casa.

“Com a fossa, sempre tinha problema de mau cheiro e da água que ficava empoçada”, afirma.

Algumas casas adiante, a dona de casa Ana Lúcia Batista, 60, ainda lava os pratos em uma pia na qual tem que trazer água com baldes, e o esgoto é escoado por um cano sai no próprio quintal de casa.

Com sistemas de água e esgoto recém-instalados no bairro, ela já comprou a tubulação e iniciou a ligação com suas pias, ralos e vaso sanitário.

Em outros bairros, como a Vila América, a chegada do sistema de saneamento valorizou os imóveis da região, que não convivem mais com esgoto correndo a céu aberto.

“Antes, era um mau cheiro enorme. Eram comuns ratos e baratas pela rua”, lembra o motorista Dernivaldo Cerqueira, 58.

Uma consequênc­ia direta do avanço do saneamento na cidade foi a redução da incidência de doenças relacionad­as à falta de tratamento de água nos últimos dez anos.

Os casos de hepatite registrado­s, por exemplo, caíram de 28 em 2008 para 3 em 2012 e 0 em 2018.

Com uma cobertura de esgotament­o praticamen­te universali­zada na zona urbana, o município agora mira as regiões de zona rural. Vitória da Conquista tem 11 distritos e 304 povoados, alguns deles a mais de 60 km da sede.

“O grande desafio é a zona rural. Quando você leva a água, você gera um problema de destinação da água servida e buscar soluções pra colher esse esgoto”, diz o secretário municipal de Infraestru­tura, José Antônio Vieira.

A cidade ainda possui outro entrave para garantir a efetividad­e das ações de ampliação da rede: a pobreza de uma parte população.

Mesmo com o sistema de esgotament­o já instalado no bairro, algumas casas visitadas pela Folha ainda não haviam feito a ligação com a rede pública por falta de dinheiro para a compra de material e mão de obra.

É a situação do casebre onde vivem a dona de casa Agata Pereira, 26, e o gari Ítalo Pereira dos Santos com os três filhos. Com o bueiro instalado em frente à residência, eles ainda não conseguira­m juntar dinheiro para comprar o encanament­o.

Enquanto isso, a família continua usando a fossa séptica para o vaso sanitário, e a água usada para lavar pratos ou tomar banho é despejada na própria rua.

O filete escorre pelo declive da rua, cria sulcos na terra e escorre em direção a um riacho. Coincident­emente, o rio está ao lado de uma estação elevatória, que bombeia o esgoto dos vizinhos rumo ao tratamento adequado.

A chegada do sistema de saneamento valorizou os imóveis da região, que não convivem mais com esgoto correndo a céu aberto

“Antes, era um mau cheiro enorme. Eram comuns ratos e baratas pela rua”, lembra o motorista Dernivaldo Cerqueira, 58

“Ainda temos muito a avançar na qualidade do serviço prestado. No patamar em que chegamos, a população está cada dia mais exigente”, diz Joselito Pires, gerente da companhia de saneamento

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Raul Spinassé/Folhapress Material decantado por processo químico que converte resíduos orgânicos em gás carbônico é separado em tanques na estação de tratamento de Vitória da Conquista
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