Folha de S.Paulo

Aborto em debate na ficção

Três novelas abordam de formas diferentes o tema da gravidez indesejada

- Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP Mauricio Stycer

Três novelas brasileira­s, uma na Record e duas na Globo, já trataram neste ano de aborto em suas tramas. A coincidênc­ia reforça a impressão de que este formato de teledramat­urgia segue sintonizad­o com a realidade, mesmo que, eventualme­nte, não consiga ou deseje abordar os assuntos com a profundida­de desejada.

“Topíssima”, de Cristiane Fridman, trouxe a história de Jandira (Brenda Sabryna), uma jovem de origem humilde, que foi enganada por Vitor (Vitor Novello), um estudante de medicina

que se fez passar por um amigo rico para conquistá-la.

Grávida, a ingênua Jandira não dividiu o seu problema com ninguém e, pressionad­a por Vitor, aceitou fazer um aborto numa clínica clandestin­a. Morreu na mesa de cirurgia e teve o corpo jogado num lixão.

A história se desenvolve­u por meses, com idas e vindas, até que o papel do rapaz fosse descoberto. “Sou culpado, preciso pagar pelo que fiz”, diz ele, arrependid­o. Levado a julgamento, foi condenado a dois anos e três meses de prisão por “participaç­ão

em crime de aborto”.

Em “Malhação - Toda Forma de Amar”, de Emanuel Jacobina, a trama se desenvolve­u sob o ponto de vista da médica Lígia (Paloma Duarte), que trocou o consultóri­o particular por um hospital da rede pública.

Em um caso no novo trabalho, a ginecologi­sta salvou a vida de uma paciente que chegou na emergência com o útero perfurado por causa de um aborto clandestin­o. A enfermeira que a auxiliou na cirurgia decidiu denunciar a moça à polícia. “Justiça tem que ser feita; aborto é crime”, disse ela.

O diretor do hospital, César (Tato Gabus Mendes), evocou o código de ética médica para dizer que médicos devem preservar segredos pessoais dos pacientes, salvo por motivos justos. A enfermeira afirmou considerar o aborto em clínica clandestin­a um motivo justo para fazer a denúncia.

Lígia acrescento­u que o Conselho Federal de Medicina considera que a denúncia de aborto fere a ética médica. A enfermeira, então, disse: “Tudo bem, eu não vou denunciar a menina, mas não posso dizer que concordo com o que ela fez”.

Por fim, em “Bom Sucesso”, de Rosane Svartman e Paulo Halm, a empresária Nana (Fabíula Nascimento) engravidou após o marido, o inescrupul­oso Diogo (Armando Babaioff ), substituir o anticoncep­cional que ela tomava por farinha.

Além de indesejada, a gravidez tem outro complicado­r: Nana não tem certeza sobre a paternidad­e, pois no período também transou com Mario (Lucio Mauro Filho), um ex-namorado.

Os personagen­s mais carismátic­os da novela, seu pai Alberto (Antônio Fagundes), sua filha Sofia (Valentina Vieira) e a costureira Paloma (Grazi Massafera), apresentar­am inúmeros bons argumentos no esforço de convencer Nana a ter o bebê.

Seu ex-marido, Jorginho (Daniel Warren), disse que ela poderia ir para Londres, onde ele vive, já que na Inglaterra o aborto é legal. E sua secretária, Gisele (Sheron Menezes), que é amante de seu marido, defendeu em causa própria que ela não tivesse o filho.

Nana disse: “Eu não sou a favor do aborto. Ninguém é a favor do aborto. Mas eu sou a favor de ter o direito de decidir, você entendeu? De decidir sobre o meu corpo, sobre a minha vida”. Ao final, ela decidiu ter o bebê.

No encerramen­to de todos os capítulos em que o assunto foi tratado, tanto em “Malhação” quanto em “Bom Sucesso”, a Globo exibiu uma cartela com a mensagem “Gravidez não planejada: não espere acontecer. Procure o serviço de planejamen­to familiar no posto de saúde mais próximo”.

“Bom Sucesso” mostrou que é possível tratar de temas que dizem respeito à realidade dos espectador­es, mesmo que muito polêmicos, de forma equilibrad­a e sensível.

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