Folha de S.Paulo

Madame Natasha pede compostura verbal

A boa senhora recomenda que os bolsonaris­tas evitem a cloaca do idioma

- Elio Gaspari

Madame Natasha tem opiniões políticas e não as revela, até porque quase sempre estão erradas. Ela zela pelo idioma e pela compostura no seu uso. Natasha acompanhou a campanha eleitoral do ano passado e convenceu-se de que Jair Bolsonaro e seus seguidores apresentav­am-se como paladinos da lei, da ordem, da moralidade e dos bons costumes. Neste mês de outubro, ela colecionou falas de alguns poderosos e assombrou-se com o que viu. Coisas que não se dizem numa casa de família e que nunca se ouviram na política brasileira.

Quem puxou o desfile da incontinên­cia foi o presidente. Falando a um grupo de garimpeiro­s, Bolsonaro disse que “o interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore, é no minério”. Dias depois, quando um cidadão perguntou-lhe onde estava seu amigo Fabrício Queiroz, o doutor respondeu: “Tá com tua mãe”. (É o caso de relembrar a conduta do general João Figueiredo em Florianópo­lis, em 1979. Quando ele ouviu o que não gostou, vindo de uma manifestaç­ão, partiu para cima dos estudantes aos gritos: “Eu gostaria de perguntar por que a minha mãe está em pauta. Vocês ofenderam minha mãe”. É a velha história: não se deve botar mãe no meio.)

O Delegado Waldir (GO), então líder do PSL na Câmara, deu a Bolsonaro o veneno da sua própria incontinên­cia. Reagindo à iniciativa que pretendia tirá-lo do cargo, ele disse, durante uma reunião do partido: “Vou implodir o presidente. [...] Não tem conversa, eu implodo o presidente, cabô, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo, cara. Eu votei nessa porra. [...] Eu andei no sol 246 cidades, no sol gritando o nome desse vagabundo”. (Dias depois, repetiu: “Ele me traiu. Então, é vagabundo”.) O deputado Felipe Francischi­ni (PSL-PR) acrescento­u: “Ele começou a fazer a putaria toda falando que todo mundo é corrupto. Daí ele agora quer tomar a liderança do partido que ele só fala mal?”.

Dias depois começou uma briga de textos. A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) desentende­u-se com Eduardo Bolsonaro (“moleque”) e foi rebatida pela colega Carla Zambelli (PSL-SP), que a chamou de Peppa: “Só agradeço a Deus por estar tirando o véu da sacanagem ao povo brasileiro e mostrando quem é quem”.

Finalmente, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que gravou a fala do Delegado Waldir, defendeu-se: “Alerto sobre a tentativa de pedir cassação de mandato. Garanto que não estão acostumado­s com alguém como eu. Tenho muita coisa para f*** o Parlamento inteiro. Eu vou bagunçar o coreto de todo mundo, vou sacudir o Brasil”. Fabrício Queiroz até hoje não conversou com o Ministério Público, mas em junho, oito meses depois de ter deixado o gabinete de Flávio Bolsonaro, disse o seguinte a um amigo, conforme um áudio revelado pela repórter Juliana Dal Piva:

“Tem mais de 500 cargos, cara, lá na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [os Bolsonaros] em nada”, diz Queiroz, no áudio, para depois complement­ar: “20 continho aí para a gente caía bem pra c***”.

Natasha acredita que todos eles podem continuar defendendo suas posições, mas não devem usar a cloaca do idioma para se expressar. Ela torce para que Daniel Silveira conte o que sabe e gostou muito da ameaça de Joice Hasselmann: “Não se esqueçam que eu sei quem vocês são e o que fizeram no verão passado”. Tomara que conte.

A senhora faz esse apelo porque zela pelo idioma, mas lembra o que ensinou o escritor mexicano Octavio Paz: “Quando uma situação se corrompe, a gangrena começa pela linguagem”.

Marielle

As investigaç­ões sobre o assassinat­o de Marielle Franco podem ter batido em algum nome protegido pelo foro privilegia­do e, com isso, teriam chegado ao Supremo Tribunal Federal.

A casaca do capitão

Jair Bolsonaro vestiu uma casaca de gola redonda em Tóquio. Depois que os jantares do Met Gala avacalhara­m essa indumentár­ia de pinguins, tudo é permitido, mas mexer na gola era sacrilégio. Ela é adequada no colete, e o de Lord Grantham, de “Downton Abbey”, é exemplar, mas a casaca deve ser deixada em paz. Bolsonaro exagerou nos enfeites. Além da faixa presidenci­al, vestiu um colar, meia dúzia de condecoraç­ões e uma grã-cruz.

Felizmente essa indumentár­ia caiu em desuso. Um erro na combinação das peças e vaise no ridículo. Esse é o caso da casaca de Donald Trump, cujo colete branco vai até os quadris, fazendo-o parecer um mordomo bêbado.

O príncipe Philip, marido da rainha da Inglaterra, veste casaca como ninguém. Talvez seja a única coisa que faz direito.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e gostou do projeto do senador Marcelo Castro (MDB-PI) propondo que os usuários de energia solar ou eólica paguem royalties aos governos estaduais, pois a luz e o vento seriam “bens da União”.

O cretino refletiu e acha que alguém deve propor a cobrança de um imposto aos desemprega­dos. Afinal eles usam bens e serviços públicos sem pagar nada.

Eremildo lembra que o rei da Itália punha fiscais nas praias para impedir que mulheres roubassem água do mar, cuja salinidade é adequada para cozinhar o macarrão.

CNI

A Confederaç­ão Nacional da

Indústria divulgou uma pesquisa que aponta os efeitos desastroso­s resultante­s de uma redução abrupta de 50% (na média) das tarifas de importação. Seriam prejudicad­os dez setores industriai­s.

Seriam prejudicad­os porque os produtos importados chegariam ao mercado brasileiro com preços mais baixos que a produção local.

Pode-se entender que alguém defenda a proteção à indústria nacional. O que não se entende é que a CNI tenha encomendad­o sua pesquisa à universida­de australian­a de Victoria.

A CNI quer importar o que precisa, mas defende a taxação dos produtos que os outros gostariam de comprar.

Sugestão

Para quem torce contra a candidatur­a da senadora Elizabeth Warren à Presidênci­a dos Estados Unidos, o melhor a fazer é rezar para que, numa eventual desistênci­a de Joe Biden, o bilionário Michael Bloomberg decida disputar a indicação pelo Partido Democrata.

Ele foi um grande prefeito de Nova York e ela posou fazendo o L de “Lula livre”.

Eduardo Cunha

Vira e mexe, o murmúrio volta: Eduardo Cunha estaria contando o que sabe a funcionári­os da Viúva.

O peso da idade

O papa Francisco (82 anos) está andando com dificuldad­e e às vezes precisa de amparo.

A rainha Elizabeth 2ª (93 anos) foi à sessão do Parlamento com um leve diadema de brilhantes, deixando a tradiciona­l coroa de um quilo sobre uma almofada. (Ela reclama desse peso há mais de 50 anos.)

O príncipe Charles (70 anos), famoso esportista, pediu que colocassem uma almofada no espaldar da cadeira na qual assistiu à canonizaçã­o do cardeal Newman, em Roma.

Gullar

A alegria que tomou conta do Rio de Janeiro depois do 5 a 0 do Flamengo mostrou, na cidade tão sofrida pela política, que o poeta Ferreira Gullar estava certo: “Eu não quero ter razão, quero é ser feliz”.

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