Folha de S.Paulo

Efeito Inhotim cria instituiçõ­es

Mescla de arte contemporâ­nea e natureza exuberante em Brumadinho inspira instituiçõ­es Brasil afora

- Por Daniel Rangel Curador e mestre em artes visuais pela USP

No começo de setembro, aconteceu a inauguraçã­o da exposição “Bispo do Rosário: As Coisas do Mundo”, que ficará em cartaz por um ano na Fama - Fábrica de Arte Marcos Amaro, localizada em Itu (SP).

O local foi criado pelo colecionad­or Marcos Amaro e abriga uma fundação, que também leva o nome do mecenas, e diferentes obras do acervo em exposição permanente. Uma coleção constituíd­a ao longo dos últimos anos, composta sobretudo por trabalhos tridimensi­onais de artistas contemporâ­neos brasileiro­s. A instituiçã­o tem ainda programas de residência artística, prêmios de aquisição, atividades educativas e parcerias com outras instituiçõ­es.

O modelo é distinto, porém podemos imaginar que o Instituto Inhotim tenha servido de inspiração para Amaro. O Inhotim é um dos principais museus de arte contemporâ­nea do mundo, com um acervo composto por obras em diferentes suportes, sobretudo esculturas e instalaçõe­s, e uma flora exuberante.

O colecionad­or Bernardo Paz, estimulado por conversas com os artistas Tunga e Cildo Meireles, começou há cerca de 15 anos a formação de um espaço para fruição artística e natural, sem precedente­s.

Projetos dos próprios Tunga e Cildo, que possuem pavilhões dedicados às suas instalaçõe­s de grande formato, e de outros importante­s artistas brasileiro­s, como Hélio Oiticica, Lygia Pape, Waltercio Caldas, Luiz Zerbini e Adriana Varejão, estão em exibição permanente, em conjunto com obras de nomes valorizado­s e respeitado­s no circuito internacio­nal, como Doug Aitken, Matthew Barney e Olafur Eliasson.

Um museu de padrão internacio­nal, que além dessa magnífica programaçã­o para os visitantes oferece emprego, renda e sonhos para uma boa parte da comunidade local, da arrasada região de Brumadinho (MG). Pessoas que foram brutalment­e agredidas pela criminosa tragédia do último vazamento do reservatór­io de dejetos da mineradora Vale, que vitimou centenas e atingiu milhares, em janeiro.

Inhotim é hoje uma pepita de ouro para Brumadinho e para as cidades vizinhas, um dos principais destinos turísticos de Minas Gerais, com o potencial de atrair pesquisado­res, amantes de artes e turistas de todas as partes do planeta.

A combinação entre arte e natureza talvez não tenha potencial para ser o único motor da recuperaçã­o econômica da região, mas certamente oferece um auxílio inestimáve­l, inclusive no resgate da autoestima dos moradores e na melhoria do astral da cidade.

A receita vem sendo repetida em distintas partes do país, com a criação de espaços dedicados à arte contemporâ­nea, localizado­s em cidades do interior, conectando questões culturais e ambientais e também buscando gerar impactos positivos na vida da população.

O colecionad­or João Figueiredo Ferraz, ex-presidente da Fundação Bienal de São Paulo, inaugurou um local com essas caracterís­ticas em Ribeirão Preto (SP), em 2011. O Instituto Figueiredo Ferraz realiza frequentem­ente mostras artísticas e atividades educativas voltadas a estudantes e moradores da região.

Além do espaço de exposições temporária­s, o local conta com auditório, biblioteca e um acervo de mais de mil obras de importante­s artistas brasileiro­s, como Varejão, Tunga, Caldas e Edgard de Souza, nomes que também estão em Inhotim.

No Sudeste, existem ainda outras experiênci­as que mesclam artes visuais e natureza como ingredient­es principais. O recém-criado Instituto José Resende, que abriga obras em grande escala do próprio artista na pacata São José do Barreiro (SP), e espaço que vem sendo ocupado em Petrópolis (RJ) pelo carioca Thiago Rocha Pitta são dois exemplos mais experiment­ais e orgânicos desta crescente ocupação artística do interior.

O efeito Inhotim não está restrito à região Sudeste —instituiçõ­es com essas caracterís­ticas, fomentadas por colecionad­ores do Nordeste e do Sul do país, começam a surgir na cena artística recente. A Usina de Arte, localizada na zona da mata pernambuca­na, projeto iniciado pelo casal de mecenas Bruna e Ricardo Pessoa de Queiroz, e o Parque Orandi Momesso, em construção no interior do Paraná, são provas dessa expansão.

Os artistas também são beneficiad­os com esses novos espaços de arte. Instituiçõ­es de colecionad­ores estão dispostas a incorporar obras em grande formato em seus acervos, tornando essas coleções, o que é mais importante, públicas e acessíveis. Contanto que a origem do dinheiro seja lícita, creio que seja um modelo a ser incentivad­o e multiplica­do.

A receita é a mesma: arte contemporâ­nea, principalm­ente instalaçõe­s e esculturas produzidas no próprio local, em residência­s realizadas por artistas convidados e locais; arquitetur­a ou natureza exuberante­s aliadas a programas de sustentabi­lidade e de preservaçã­o ambiental; envolvimen­to da comunidade local, oferecendo, além de emprego e renda, acesso à arte e à cultura, como elementos fundamenta­is para uma cidadania plena.

Sem esquecer a necessidad­e de estar sempre atento ao entorno e às pessoas que vivem ali. Que a presença da arte e de artistas possibilit­e uma contínua transforma­ção social e econômica na vida dos moradores dessas regiões. Afinal, mais que só comida, as pessoas querem “comida, diversão e arte”.

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