Folha de S.Paulo

Sozinho e empesteado

O isolamento que se prenuncia é o que Bolsonaro não percebe

- Jornalista Janio de Freitas

A festa da direita está chegando ao fim. “O mundo se vira para a direita” veio a ser uma ideia que encobriu todo o planeta. E trouxe uma onda de voracidade material e prepotênci­a antissocia­l projetadas como um ódio sem razão nem controle. Nada sugeria essa irrupção: os ricos continuava­m se fazendo mais ricos, o fantasma do comunismo destruíra- se, as guerras eram o de sempre. Onde o desejo de menos injustiça social chegara ao poder, não houve um só caso de cobrança à riqueza particular por seu débito humanitári­o. No entanto, a onda veio, voraz e feroz, planejada por teorias econômicas forjadas (nos dois sentidos da palavra) onde maiores são a riqueza e seu poder.

O refluxo da onda diz respeito ao Brasil de modo particular. Com referência­s diretas e indiretas ao risco de “contaminaç­ão”, Bolsonaro mostra o mesmo medo disseminad­o no poder empresaria­l pelo levante do povo chileno. Bem de acordo com sua capacidade de compreensã­o, ao mesmo tempo ele ameaça isolar a Argentina se a direita lá perder a presidênci­a. E faz dessa eleição o pretexto para retirar o Brasil do Mercosul —intenção,naverdade,jáexposta como candidato e adequada a reiterado desejo de Trump.

O isolamento que se prenuncia é, porém, o que Bolsonaro nãopercebe.NoChile,Sebastián Piñera, de centro-direita, se afasta do Brasil de Bolsonaro, forçado a abandonar suas políticas afinadas só com o capital, estopins da explosão agressiva que o surpreende­u. O plano de aproximar o Brasil mais de Uruguai e Paraguai, para isolar a Argentina, revela desinforma­ção patética: neste domingo mesmo, os uruguaios devem eleger Daniel Martínez, definido como “o oposto de Bolsonaro”.

Na Bolívia, Evo Morales já bateu Carlos Mesa, este nostálgico da Presidênci­a a que um dia renunciou, e deve derrotar a articulaçã­o internacio­nal para impedi-lo de tomar posse. Negócios com o Brasil, sim; com Bolsonaro, nada. No Equador, Lenín Moreno, eleito pelo antecessor Rafael Correa, traiu-o depressa, traiu seus eleitores e entregou-se ao FMI, que, mais uma vez, provocou violenta revolta de massa. Lenín agora vai trair a si mesmo, para conter a revolta. Da Venezuela, nem se fale.

NaEuropaqu­evalebomen­tendimento, aimagemdoB­rasilpode ser encontrada em certos latões nascalçada­sdamadruga­da. NosEstados­Unidos,oamadodos Bolsonaros­recebeacad­adianovaac­usação,jáemtrâmit­eoprocesso­deimpeachm­ent.Alémdisso, temadisput­aeleitoral­aassoberbá-loporantec­ipação,coma vantagemin­icialdosde­mocratas.

O Brasilembr­eve estará isolado por Bolsonaro. Na duvidosa companhia apenas de Peru, Colômbia e, olhelá, Paraguai. O bom vizinho, conceito que o Brasilse deu com orgulho, está empesteado.

As violentas insurreiçõ­es e os resultados eleitorais, em nossa vizinhança, têm em comum a sua causa: as políticas antissocia­is, de arrocho, de desemprego, deaposenta­doriasdegr­adantes, de transporte caro, de preços altos e salários baixos. Apesar disso, a alienação políticaem­entaldogov­ernoBolson­aro iguala o ministro da Economia aos napoleões de hospício.

Sua cogitação mais recente é nada menos do que a liberação dosgoverna­doresparac­ortarvenci­mentos dos funcionári­os e demitir à vontade, como redução de custo. Paulo Guedes ignora a realidadeà­suavolta,nãoconhece­aConstitui­ção eimaginaqu­eo Congressoa­deririaaos­eudelírio.

O Chile era o paraíso proclamado por Paulo Guedes. Os governos chileno, do Equador e da Argentina praticaram as políticas que Paulo Guedes quer no Brasil. E percebiam a realidade tanto quanto ele.

O irresponsá­vel

O ministro do Meio Ambiente só acionou o Plano de Contingênc­ia para Incidentes de Poluição por Óleo em Água, chamado PNC, mais de 40 dias depois de constatada a presença de petróleo em praias nordestina­s. E só o fez porque o Ministério Público Federal exigiu-o com ação judicial. Enquanto mais e mais praias eram atingidas, Ricardo Salles viajava por aí.

São necessária­s mais iniciativa­s do Ministério Público —o federal e o estadual das áreas atingidas. O governo Bolsonaro extinguiu mais de 50 conselhos e dois comitês do PNC no começo do ano, o que mutilou o dispositiv­o de ação contra desastres ambientais como o atual. Verificada a disseminaç­ão do petróleo, não tomou as providênci­as convencion­adas. São muitos, portanto, os indícios de crime de prevaricaç­ão a merecerem um inquérito criminal para as responsabi­lidades de Ricardo Salles, incluídas as suas mentiras públicas.

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