Argentina escolheu mal, diz Bolsonaro sobre eleito
Eleito defende libertação de ex-presidente Lula; 1ª viagem será ao México e não tem Brasil na rota
Jair Bolsonaro (PSL) disse ontem que não quer se indispor com o novo presidente da Argentina, Alberto Fernández, mas lamentou sua eleição. Ele irritouse com o apoio do líder vizinho à libertação do expresidente Lula. Fernández anunciou que sua primeira viagem será ao México, rompendo uma tradição recente de o Brasil ser o destino inicial.
abu dhabi, doha e buenos aires Na partida dos Emirados Árabes Unidos, onde esteve desde sábado (26), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse nesta segunda-feira (28) que não vai cumprimentar o peronista Alberto Fernández, vencedor em primeiro turno das eleições de domingo (27) na Argentina.
Fernández, que derrotou o atual presidente, Mauricio Macri, com 48,10% dos votos contra 40,37%, encabeçou a chapa que tem como candidata a vice a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner.
“Não pretendo parabenizálo. Agora não vamos nos indispor. Vamos esperar o tempo para ver qual a posição real dele na política. Porque ele vai assumir, vai tomar pé do que está acontecendo, e vamos ver qual linha que ele vai adotar.”
Aliado de Bolsonaro, o presidente chileno Sebástian Piñera parabenizou Fernández. “Felicito-o por seu grande triunfo e estou seguro de que trabalharemos com vontade, força e visão de futuro em favor do bem-estar de nossos povos e da integração sulamericana”, publicou o político de centro-direita, em mensagem numa rede social.
Também cumprimentaram o recém-eleito o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, o do México, Andrés Manuel López Obrador, o do Peru, Martín Vízcarra, o da Bolívia, Evo Morales, e o governo uruguaio.
Bolsonaro disse lamentar o resultado das eleições no país vizinho. “Lamento. Não tenho bola de cristal, mas acho que a Argentina escolheu mal. O primeiro ato do Fernández foi já Lula Livre, dizendo que ele está preso injustamente. Já disse a que veio.”
Antes da divulgação dos resultados, Fernández havia publicado uma foto no Twitter fazendo a letra L com as mãos, símbolo do movimento Lula Livre. Na ocasião, ele parabenizou o ex-presidente brasileiro pelo aniversário de 74 anos (completados no domingo).
“Também hoje faz aniversário meu amigo Lula, um homem extraordinário que está injustamente preso faz um ano e meio”, escreveu. “Parabéns pra você, querido Lula. Espero te ver em breve.”
Sobre o Mercosul, Bolsonaro disse que “por enquanto continua tudo bem”. Em julho, Fernández havia dito que reveria o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, caso o pacto representasse desindustrialização para o país.
“Vamos esperar agora que banho de realidade ele vai ter”, afirmou Bolsonaro. Segundo o presidente, algumas empresas já estão retirando investimentos do país vizinho.
O brasileiro descartou, porém, a possibilidade de o Brasil deixar o Mercosul, como ele próprio havia cogitado anteriormente. Em vez disso, falou em “afastar a Argentina” se a eleição do peronista afetar o acordo entre os blocos.
Segundo ele, a vitória do candidato opositor se deve ao fato as reformas feitas por Macri não terem obtido os resultados esperados. “Agora, a Argentina colocou no poder quem colocou a Argentina no buraco lá atrás”, disse.
Quando chegou ao Qatar, na etapa seguinte de sua viagem pela Ásia, Bolsonaro voltou a comentar o gesto de Fernandéz em apoio ao movimento Lula Livre. “É um afronto [sic] à democracia e ao sistema judiciário brasileiro. Ele está afrontando o Brasil de graça.”
O presidente diz que aguardará os próximos passos do novo governo para então, se necessário, “tomar alguma decisão em defesa do Brasil”.
Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do PT, governaram o Brasil no mesmo período em que Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015) presidiram a Argentina.
Todos de esquerda, eles tiveram uma relação próxima durante seus mandatos.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi ao Twitter comentar as eleições argentinas. “As forças do mal estão celebrando. As forças da democracia estão lamentando pela Argentina, pelo Mercosul e por toda a América do Sul”, escreveu o chanceler em uma série de posts.
“Os sinais são os piores possíveis. Fechamento comercial, modelo econômico retrógrado e apoio às ditaduras parece ser o que vem por aí”, publicou o chanceler.
Ernesto disse que o governo será pragmático “na defesa dos princípios e interesses do Brasil” e defendeu “um Mercosul sem barreiras internas e aberto ao mundo, uma América do Sul sem ditaduras”.
Contrariando um hábito que comum nos anos 2000, o de que o presidente eleito do Brasil priorizava a visita à Argentina e vice-versa, Alberto Fernández não incluiu uma passagem por Brasília em sua primeira viagem internacional como presidente eleito, ainda nesta semana.
Em 2015, Mauricio Macri foi recebido pela então presidente, Dilma Rousseff.
Fernández viaja na sexta (1º) ao México, para um encontro com o presidente esquerdista, Andres Manuel Lopez Obrador. Com AMLO (como é conhecido o presidente mexicano), o peronista já havia iniciado um diálogo na campanha.
Macri e Fernández trocam sorrisos e apertos de mão
buenos aires Numa cena inédita na Argentina, o presidente em exercício e o eleito se encontraram no dia seguinte à eleição, na manhã desta segunda, para definir uma transição de poder e enviar sinais positivos para um inquieto mercado internacional.
Houve sorrisos, apertos de mão e vontade de mostrar que prevalecerá a cordialidade.
“Esqueçamos o passado e olhemos para a frente”, disse Fernández, ao cumprimentar Macri. Os dois se insultaram vivamente durante a campanha e nos dois debates na TV.
Fernández chegou à Casa Rosada às 10h30 e passou uma hora sozinho com Macri no gabinete do presidente.
Já foram divulgados os nomes dos funcionários e ministros que trabalharão juntos na transição até 10 de dezembro, quando haverá a transferência da faixa presidencial.
Do lado de Macri, participarão a equipe econômica chefiada pelo ministro Hernán Lacunza, o presidente do Banco Central, Guido Sandleris, e o ministro do Interior, Rogelio Frigerio. Do lado de Fernández, a chefia da transição fica a cargo de Santiago Cafiero, cotado para ser o chefe de gabinete, Matías Kulfas, aposta para ser o próximo ministro de economia, e Felipe Solá, que deve ser o próximo chanceler.
A equipe de Fernández foi informada, ainda na noite de domingo, das medidas adotadas por Macri a partir desta segunda para frear o dólar —e não se opôs. Mais: Fernández defende um retorno a uma política de controle da moeda ainda mais rígido e constante. As medidas limitam a compra de dólares em US$ 200 ao mês, até dezembro.
Isso fez com que a moeda americana permanecesse estável,
fechando em 63,50 pesos. Já o dólar paralelo era vendido nos cambistas clandestinos por até 80 pesos.
A Argentina precisa negociar com os credores mais de US$ 100 bilhões em dívidas, num cenário em que as reservas estão diminuindo e a inflação está altíssima.
A economia do país ficou em recessão por grande parte do ano passado, e há preocupações de que possa ser forçado a um calote.
Nesta segunda, os títulos da Argentina em dólar caíam 1,6% em média, enquanto o índice de risco-país subiu cem pontos.
O recém-eleito Fernández governará com um Congresso dividido, em que alianças terão de ser costuradas para aprovação de leis. Na Câmara, terá mais cadeiras, com 120 peronistas, contra 119 da coalizão Juntos por el Cambio, de Mauricio Macri. Já no Senado, terá 37 senadores governistas contra 29 do macrismo.
“É um mapa de poder que traz mais equilíbrio”, diz o analista Carlos Pagni, que chama a atenção para a necessidade que Fernández terá de negociar tanto com o bloco opositor como dentro da própria aliança peronista.
Fernández não deu declarações à imprensa. No começo da tarde, o governador eleito da província de Buenos Aires, maior reduto eleitoral do país, o kirchnerista Axel Kicillof, disse que a situação da província é “muito grave”, e que, nos últimos anos, “houve uma blindagem midiática que fez com que não fossem divulgados os dados mais negativos da economia local”.
Cristina Kirchner também não apareceu em público nesta segunda, mas pediu permissão à Justiça para ir a Cuba visitar a filha, que está internada lá, tratando de um quadro de depressão e de um linfedema.
A vice-presidente deve pedir permissão para sair do país por conta dos 11 processos a que responde, na Argentina.
A imprensa argentina divulgou a fala do presidente Jair Bolsonaro, criticando a “má escolha” dos argentinos, mas não houve reação pública dos políticos.
“Lamento. Não tenho bola de cristal, mas acho que a Argentina escolheu mal. O primeiro ato do Fernández foi já Lula Livre, dizendo que ele está preso injustamente. Já disse a que veio Jair Bolsonaro sobre a vitória de Alberto Fernández na Argentina