Folha de S.Paulo

Isenção de vistos a chineses e indianos preocupa Itamaraty

Setores da diplomacia foram pegos de surpresa e veem riscos para o Brasil

- Talita Fernandes e Ricardo Della Coletta

brasília O anúncio feito pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que o Brasil isentará de vistos turistas chineses e indianos é visto com preocupaçã­o por setores do Ministério de Relações Exteriores.

Embora tenha o apoio do chanceler Ernesto Araújo, a medida é vista com ressalvas por quadros da diplomacia brasileira e interlocut­ores no governo. O receio se dá não apenas pela ausência de reciprocid­ade, mas por envolver dois países considerad­os de maior risco migratório, além de questões de segurança.

Diplomatas envolvidos nos preparativ­os da viagem de Bolsonaro por Japão, China e países árabes relataram à Folha terem sido surpreendi­dos com a medida, cujo anúncio não estava previsto.

De acordo com eles, estava em estudo uma flexibiliz­ação da exigência do visto, mas não uma completa isenção.

Um dos argumentos levantados contra a dispensa do visto para chineses e indianos é o mesmo apresentad­o quando Bolsonaro decidiu conceder a isenção para turistas de Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá: a falta de reciprocid­ade por parte dos beneficiad­os com a medida.

Os brasileiro­s que quiserem viajar aos dois países asiáticos ainda terão de solicitar autorizaçã­o aos serviços consulares, como ocorre atualmente.

Há outros fatores, porém, que causam apreensão no Itamaraty. Interlocut­ores no governo relataram receio em relação à segurança com a isenção do visto para a Índia.

O turista indiano, assim como o chinês, é considerad­o de alto potencial no futuro. A Índia registra há anos elevados índices de cresciment­o, com uma classe média ascendente.

No entanto, segundo eles, já houve casos de pedidos de visto negados no país de pessoas com perfil suspeito de radicaliza­ção islâmica.

Os diplomatas que acompanham o tema ressaltam que esse perfil é minoria em relação ao número total de solicitaçõ­es de visto, mas consideram a exigência de visto importante para identifica­r eventuais casos problemáti­cos antes que a pessoa desembarqu­e no Brasil.

Hoje, a China é o país que mais envia turistas para o mundo, com 141 milhões de pessoas por ano viajando para o exterior. Em 2030, o número deve chegar a 300 milhões.

O Brasil recebe poucos deles: são 60 mil chineses anualmente, segundo o Ministério do Turismo.

O turista chinês é cobiçado internacio­nalmente, principalm­ente nos países europeus (onde há exigência de visto).

Lá, os viajantes provenient­es da China estão entre os que mais gastam, razão pela qual lojas de luxo e redes hoteleiras cada vez mais investem na contrataçã­o de vendedores e funcionári­os com conhecimen­to de mandarim.

Diplomatas ponderam, contudo, que poucos países dispensam chineses e indianos de visto, ainda mais sem exigir a reciprocid­ade para os seus próprios cidadãos.

China e Índia, argumentam os diplomatas, vivem situações diferentes de países isentos recentemen­te de visto como Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá. Estes são países desenvolvi­dos, de renda alta e com baixos índices de imigração irregular.

Bolsonaro anunciou a isenção para os chineses após jantar com empresário­s em Pequim, na quinta-feira (24). Na mesma ocasião, disse que o governo deve fazer o mesmo em relação aos indianos.

Ernesto, que estava ao lado do presidente durante o anúncio, afirmou por sua vez que “não necessaria­mente” o Brasil exigirá reciprocid­ade das duas nações com os visitantes brasileiro­s.

Segundo o chanceler, ainda não há prazo para o início da aplicação da medida aos dois países asiáticos, porque deve haver forte demanda.

Para surtir efeito, a dispensa do visto precisa ser publicada em um decreto, como ocorreu no caso dos outros quatro países isentados mais cedo neste ano.

O argumento do governo brasileiro para conceder o benefício a cidadãos de China e Índia é aumentar o fluxo de negócios entre os países, além de facilitar a vinda de mais turistas para o Brasil.

De acordo com o ranking Henley Passport Index 2019, o Brasil está na 17ª posição da lista de restrições de entrada, com acesso a 170 países sem necessidad­e de visto prévio.

O Japão ocupa o primeiro lugar, e na segunda posição estão Singapura e Coreia do Sul. Já a China está na 72ª posição —com 71 destinaçõe­s permitidas, e a Índia, na 82ª, com 59 países que não demandam autorizaçã­o prévia.

O ranking é elaborado pela assessoria em cidadania e residência Henley & Partners, que usa os dados da Iata (Associação Internacio­nal do Transporte Aéreo).

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