Isenção de vistos a chineses e indianos preocupa Itamaraty
Setores da diplomacia foram pegos de surpresa e veem riscos para o Brasil
brasília O anúncio feito pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que o Brasil isentará de vistos turistas chineses e indianos é visto com preocupação por setores do Ministério de Relações Exteriores.
Embora tenha o apoio do chanceler Ernesto Araújo, a medida é vista com ressalvas por quadros da diplomacia brasileira e interlocutores no governo. O receio se dá não apenas pela ausência de reciprocidade, mas por envolver dois países considerados de maior risco migratório, além de questões de segurança.
Diplomatas envolvidos nos preparativos da viagem de Bolsonaro por Japão, China e países árabes relataram à Folha terem sido surpreendidos com a medida, cujo anúncio não estava previsto.
De acordo com eles, estava em estudo uma flexibilização da exigência do visto, mas não uma completa isenção.
Um dos argumentos levantados contra a dispensa do visto para chineses e indianos é o mesmo apresentado quando Bolsonaro decidiu conceder a isenção para turistas de Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá: a falta de reciprocidade por parte dos beneficiados com a medida.
Os brasileiros que quiserem viajar aos dois países asiáticos ainda terão de solicitar autorização aos serviços consulares, como ocorre atualmente.
Há outros fatores, porém, que causam apreensão no Itamaraty. Interlocutores no governo relataram receio em relação à segurança com a isenção do visto para a Índia.
O turista indiano, assim como o chinês, é considerado de alto potencial no futuro. A Índia registra há anos elevados índices de crescimento, com uma classe média ascendente.
No entanto, segundo eles, já houve casos de pedidos de visto negados no país de pessoas com perfil suspeito de radicalização islâmica.
Os diplomatas que acompanham o tema ressaltam que esse perfil é minoria em relação ao número total de solicitações de visto, mas consideram a exigência de visto importante para identificar eventuais casos problemáticos antes que a pessoa desembarque no Brasil.
Hoje, a China é o país que mais envia turistas para o mundo, com 141 milhões de pessoas por ano viajando para o exterior. Em 2030, o número deve chegar a 300 milhões.
O Brasil recebe poucos deles: são 60 mil chineses anualmente, segundo o Ministério do Turismo.
O turista chinês é cobiçado internacionalmente, principalmente nos países europeus (onde há exigência de visto).
Lá, os viajantes provenientes da China estão entre os que mais gastam, razão pela qual lojas de luxo e redes hoteleiras cada vez mais investem na contratação de vendedores e funcionários com conhecimento de mandarim.
Diplomatas ponderam, contudo, que poucos países dispensam chineses e indianos de visto, ainda mais sem exigir a reciprocidade para os seus próprios cidadãos.
China e Índia, argumentam os diplomatas, vivem situações diferentes de países isentos recentemente de visto como Estados Unidos, Austrália, Japão e Canadá. Estes são países desenvolvidos, de renda alta e com baixos índices de imigração irregular.
Bolsonaro anunciou a isenção para os chineses após jantar com empresários em Pequim, na quinta-feira (24). Na mesma ocasião, disse que o governo deve fazer o mesmo em relação aos indianos.
Ernesto, que estava ao lado do presidente durante o anúncio, afirmou por sua vez que “não necessariamente” o Brasil exigirá reciprocidade das duas nações com os visitantes brasileiros.
Segundo o chanceler, ainda não há prazo para o início da aplicação da medida aos dois países asiáticos, porque deve haver forte demanda.
Para surtir efeito, a dispensa do visto precisa ser publicada em um decreto, como ocorreu no caso dos outros quatro países isentados mais cedo neste ano.
O argumento do governo brasileiro para conceder o benefício a cidadãos de China e Índia é aumentar o fluxo de negócios entre os países, além de facilitar a vinda de mais turistas para o Brasil.
De acordo com o ranking Henley Passport Index 2019, o Brasil está na 17ª posição da lista de restrições de entrada, com acesso a 170 países sem necessidade de visto prévio.
O Japão ocupa o primeiro lugar, e na segunda posição estão Singapura e Coreia do Sul. Já a China está na 72ª posição —com 71 destinações permitidas, e a Índia, na 82ª, com 59 países que não demandam autorização prévia.
O ranking é elaborado pela assessoria em cidadania e residência Henley & Partners, que usa os dados da Iata (Associação Internacional do Transporte Aéreo).