Folha de S.Paulo

Presidente compara STF e PSL a hienas que o atacam

Para Celso de Mello, presidente tem comportame­nto de monarca; vídeo, que foi apagado, também apontava PSL e mídia como inimigos

- Raquel Landim, Reynaldo Turollo Jr. e Thais Arbex

Em publicação numa rede social, o presidente Jair Bolsonaro se comparou a um leão acossado por hienas que representa­riam o Supremo Tribunal Federal, o PSL, partidos de esquerda e veículos de imprensa. A postagem foi apagada.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, afirmou que o “o atreviment­o presidenci­al parece não encontrar limites”.

riad e brasília Em publicação em uma rede social nesta segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) se comparou a um leão acossado por hienas que o atacam. Uma delas representa o STF (Supremo Tribunal Federal).

O vídeo foi retirado pouco tempo depois de sua conta no Twitter, após repercussã­o negativa, mas o impacto no Poder Judiciário permaneceu.

Após questionam­ento da Folha, o ministro Celso de Mello, decano da corte, disse que a postagem evidencia que “o atreviment­o presidenci­al parece não encontrar limites”.

“É imperioso que o senhor presidente da República —que não é um ‘monarca presidenci­al’, como se o nosso país absurdamen­te fosse uma selva na qual o leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados— saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrátic­o, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independen­te, como o é a magistratu­ra do Brasil”, escreveu em nota à Folha.

Bolsonaro publicou o vídeo em meio a vitórias da esquerda e a manifestaç­ões de rua em países da América Latina. “Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador... Mais que a vida, a nossa liberdade. Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!”, escreveu o presidente.

Além do STF, entre as hienas exibidas no vídeo compartilh­ado pelo presidente aparecem a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil), o PSL (seu partido, com o qual trava uma disputa há dias), legendas de esquerda (como PT e PSOL) e veículos de imprensa, incluindo a Folha.

O vídeo termina com a chegada de outro leão, “conservado­r patriota”, e com um apelo: “Vamos apoiar o nosso presidente até o fim e não atacálo”. “Já tem a oposição pra fazer isso!”, dizia o letreiro.

A postagem causou mal-estar também entre outros ministros do Supremo. Integrante­s da corte disseram à Folha

que enviaram recados ao Palácio do Planalto de que o filme era desproposi­tado.

Nos bastidores, alguns ministros classifica­ram a publicação como infantil e, com ironia, disseram que o governo precisa chegar à vida adulta.

Houve reações negativas em série. A OAB não se manifestou, mas um conselheir­o federal classifico­u o vídeo como desapreço pela democracia.

A publicação também inflamou os ânimos da ala do PSL ligada ao presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE).

Na legenda, o vídeo foi classifica­do como um tiro no pé do clã Bolsonaro. A avaliação é a de que o governo tem como única marca a discórdia.

No Twitter, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), exlíder do governo no Congresso, reagiu ao vídeo afirmando que “Deus limitou só a inteligênc­ia”. “A burrice é ilimitada.”

“Quando um político (ou uma família de políticos) posta um vídeo comparando o PSL —maior partido da base e que mais ajudou o governo— a uma hiena, significa dizer que ele está dispensand­o os votos e a ajuda do partido?”, escreveu ela.

A publicação foi feita no momento em que Bolsonaro entrava numa limusine em Riad (Arábia Saudita), a caminho de um jantar com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.

O tuíte do presidente veio depois de postagens com teor semelhante do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), seu filho, que já admitiu em outra ocasião publicar nas redes do presidente. Em uma delas, Carlos afirma que Mauricio Macri, derrotado nas eleições na Argentina, foi ingênuo e “ficou em cima do muro”.

Na entrevista coletiva que concedeu assim que chegou a Riad, Bolsonaro foi mais comedido. Falou que a “bola está com eles”, referindo-se aos argentinos, e que para o Brasil “continua tudo normal”.

O governo foi questionad­o sobre a postagem na rede social de Bolsonaro. A Folha perguntou por que o vídeo foi apagado e se o material foi publicado com sua autorizaçã­o. O Planalto não comentou.

No Supremo e no Congresso, a avaliação é a de que, mesmo que tenha sido Carlos o autor da postagem, o presidente precisa pôr um freio no filho.

Na montagem publicada, além da Folha, são identifica­dos como hienas veículos como a TV Globo, a revista Veja, o jornal O Estado de S. Paulo e a rádio Jovem Pan.

Mais cedo, ao comentar áudios de Fabrício Queiroz, exassessor de seu filho Flávio, Bolsonaro afirmou que órgãos de imprensa “jogam pesado” porque podem ter problemas na renovação de concessões. O presidente responsabi­lizou a mídia por notícias que, na avaliação dele, tentam desestabil­izá-lo.

No Brasil, emissoras de TV e de rádio funcionam por concessões públicas, que precisam ser renovadas periodicam­ente. A atual permissão da Globo vence em abril de 2023. A concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar o ato presidenci­al em votação nominal de dois quintos das Casas.

Segundo lei sancionada no governo Michel Temer (MDB), o presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja, em abril de 2022, último ano do mandato de Bolsonaro.

Presidente diz que falava com Queiroz sobre demissões Ana Estela de Sousa Pinto

abu dhabi O presidente Jair Bolsonaro afirmou que conversava com Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flávio, sobre assuntos como demissão “até estourar o problema”, e que funcionári­os no Rio foram exonerados porque, com a campanha eleitoral do ano passado, ele ficava fora do estado “de segunda a sábado”.

“Mas é mudança normal, isso aí não tem nada para espantar”, disse o presidente na manhã desta segunda (28), na saída de seu hotel em Abu Dhabi.

Como publicou a Folha, áudios indicam que o presidente comunicou a Queiroz a intenção de demitir uma funcionári­a do gabinete de vereador de seu filho Carlos Bolsonaro (PSC). O objetivo seria desvinculá-la da família. Queiroz e Flávio Bolsonaro são alvos da Procurador­ia do Rio.

Cileide Mendes, 43, a funcionári­a em questão, é doméstica da família Bolsonaro e “laranja” na empresa do ex-marido de Ana Cristina Valle —Ana é ex-mulher do presidente.

Bolsonaro disse que os funcionári­os sabiam que seriam demitidos, com a possível mudança para Brasília do atual presidente e seu filho Flávio, caso eleitos. Segundo ele, as demissões foram “para exatamente evitar problemas”.

Em meio ao racha com o PSL, Bolsonaro disse também que “o ideal agora é como se fossem gêmeos xifópagos [ligados entre si por uma parte do corpo]. Precisa separar. Cada um segue seu destino”.

“É imperioso que o senhor presidente saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrátic­o, jamais haverá cidadãos livres sem um Judiciário independen­te, comooéa magistratu­ra do Brasil Celso de Mello decano do Supremo

Colaborou Gustavo Uribe, de Brasília Leia mais sobre a viagem de Bolsonaro nas págs. A12 (coluna de Joel P. da Fonseca), A16, A22 e A23

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