Descendente de japoneses se diz o último a manter, no país, cultura samurai
Edson Suemitsu se considera o derradeiro descendente no país a manter filosofia e tradição de fabricar as katanas
curitiba É numa pequena oficina de fundos de uma casa simples em Curitiba que Edson Suemitsu cumpre o que descreve como uma missão de vida: a preservação da cultura samurai. Ele se considera o último descendente no Brasil a manter a filosofia milenar e a tradição da forja das katanas, espadas dos soldados da época feudal japonesa.
Da sétima geração de samurais, dos lados da mãe e do pai, Edson, 61, dedicou praticamente toda a vida a aprimorar a arte. Ainda criança, ajudava o avô na fabricação de facas, atiçando o fogo do braseiro para o molde das lâminas. “Batia um brilho no olho”, conta.
Confeccionar o objeto não exige somente habilidades artesanais mas também conexão espiritual com os ancestrais. Pela tradição, o samurai faz parte de uma linhagem nobre, que coloca a honra acima de tudo, mas deve cultivá-la. “Não basta praticar uma arte marcial, portar uma espada ou um kimono, é algo herdado”, afirma.
Por isso, antes de entrar na oficina, Edson cumpre um ritual de orações, pedindo permissão aos ancestrais em um pequeno templo decorado em estilo japonês que construiu na entrada de casa.
A rotina tem mais um motivo, explica o artista: para forjar uma espada, é preciso carregar, com ajuda dos antepassados, essencialmente três sentimentos: kami sama (Deus), kokoro (coração) e kemuti (sensação de bem-estar).
Ele não declara religião, mas diz ter nascido médium e manter contato com os espíritos. Na sala, estátuas de santos católicos dividem espaço com itens hare krishna e budistas. Máscaras hindus se misturam à arte japonesa sob o olhar de gárgulas.
Diplomas de reconhecimento em artes marciais japonesas também decoram o local. O sistema filosófico das técnicas faz parte do cotidiano do artista. Parte da verba arrecadada vai para ações de caridade, afirma. “E, assim, nunca me faltou nada, hoje tem uma fila de espera por trabalhos.”
Como é considerada um objeto de proteção, a katana carrega energia, inclusive de quem a encomenda. Depois da entrega, a espada adquire a alma do dono, num ritual de consagração, em que ela passa a unir espírito (shin) e lâmina (ken). No entanto, não é qualquer pessoa que pode receber a honraria. “Dependendo do karma, a espada quebra na fabricação e não posso reaproveitar o material.”
Ao longo de 40 anos, o samurai já fabricou cerca de 600 espadas. Cada uma demora em torno de 30 dias para ficar pronta. O material é quase todo importado: o aço da lâmina vem da Áustria e, o seu encaixe, do Japão. Dependendo do modelo e da sofisticação dos detalhes, o preço final varia entre R$ 7.000 e R$ 20 mil.
Edson tem como clientes admiradores da cultura japonesa em busca de peças exclusivas e da energia protetiva da katana.
Entre eles estão atuais ministros, como o da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Eles encomendaram katanas vultosas, nas cores azul e branca, respectivamente. O valor não foi informado pelo artesão. Procuradas, as assessorias dos ministros não confirmaram a compra.
O ofício corre o risco de desaparecer do país, já que Edson não pretende repassar a tradição. “Não é egoísmo, é que é uma missão somente minha. A pessoa tem que ter dom para isso”, diz. Ele tem um filho que, segundo conta, não tem tato para a função. “A geração de hoje é diferente, nasce com celular na mão.”
O samurai nunca esteve no Japão; país que pretende conhecer. Já o coração, na guerra ou nas copas do mundo, é brasileiro. “Sou brasileiro, mas meu sangue é japonês.”