Folha de S.Paulo

Procurador­ia recorre e afirma que governo ainda não acionou plano contra óleo

Documento lista dez pontos para mostrar que governo federal ignorou legislação

- João Valadares

recife Em recurso encaminhad­o ao TRF-5 (Tribunal Federal da 5ª Região) na manhã desta segunda-feira (28), o MPF (Ministério Público Federal) lista dez pontos para mostrar à Justiça que a União ainda não acionou o Plano Nacional de Contingênc­ia Para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) nos termos da legislação.

Desde o dia 30 de agosto, manchas de óleo já atingiram 249 pontos em 92 municípios nos nove estados do Nordeste.

No dia 18 de outubro, o MPF ajuizou ação na Justiça Federal de Sergipe e obteve decisão desfavoráv­el. O pedido desta segunda-feira é para que a decisão anterior seja revista.

O documento, assinado por procurador­es da República dos nove estados do Nordeste, alega que, para que o plano seja colocado em funcioname­nto, se faz necessário o reconhecim­ento de maneira formal “da significân­cia nacional do desastre ambiental”. Isso, segundo o MPF, ainda não foi feito.

O MPF diz que o comitê de suporte do PNC, composto por 17 órgãos, entre eles a Casa Civil da Presidênci­a da República e outros ministério­s do governo federal, ainda não foi sequer reunido.

Segundo o recurso judicial, os nove estados nordestino­s não estão participan­do, como determina o PNC, do comitê. Cada estado teria direito a um representa­nte de cada órgão estadual ambiental.

Como mostrou reportagem da Folha, os comitês que faziam parte do PNC foram extintos em abril pelo governo Bolsonaro.

Os procurador­es da República destacam também que o plano prevê a garantia da informação e transparên­cia. Contrarian­do tal garantia, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) está desautoriz­ado a dar entrevista­s e repassar informaçõe­s à imprensa, diz o recurso.

Além disso, somente na quinta (24) o governo lançou um site oficial com dados sobre as manchas.

Conforme o MPF, os instrument­os previstos no PNC, fruto de estudos multidisci­plinares de caráter técnico e científico, são ignorados ou desconheci­dos pela União.

Há também a alegação de não utilização das ferramenta­s adequadas para proteção de áreas sensíveis e vulnerávei­s. O MPF contesta a informação repassada por órgão ambientais federais de que as barreiras de proteção feitas com boias não teriam eficácia neste caso.

Os procurador­es afirmam, ao contrário do governo federal, que não há ineditismo em relação ao tipo de óleo que atinge a costa do litoral nordestino.

“A União tem afirmado que esse óleo, mais denso, subsuperfi­cial, é inédito, mas não é.”

São citados como exemplos vazamentos na décadas de 1980, 1990 e 2000 na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e no Tebar (Terminal Aquaviário Almirante Barroso), em São Paulo.

Também é fonte de questionam­ento o cargo de coordenado­r operaciona­l, ocupado pela Marinha. A posição só foi instituída, pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), em 11 de outubro. Tal designação indica o acionament­o oficial do plano.

O governo federal, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), comunicou que o PNC já está em execução e que os órgãos federais estão trabalhand­o em conjunto para remover a poluição. cairu (ba) Praias vazias, cheiro de óleo no ar e areia coberta por manchas pretas —algumas minúsculas, quase imperceptí­veis.

O cenário da ilha de Boipeba, destino turístico em Cairu (a 176 km de Salvador), na manhã de segunda (28) levou turistas que visitavam a região a mudar a programaçã­o, andar com garrafa de água nas mãos para tirar o óleo da pele e a não molhar mais do que os pés no mar sob um calor de 30°C.

A reportagem passou pelas praias Boca da Barra, Tassimirim, Cueira e Moreré. Na última, em que a situação estava pior, um mutirão de funcionári­os da prefeitura retirava grandes manchas da areia antes de a maré subir.

O casal Bruna Cuin, 27, e Thiago França, 27, conta que não esperava o cenário em Boipeba. “Atrapalha um pouco para quem quer curtir as praias e para os moradores que vivem do turismo”, diz Bruna.

Passaram antes por Morro de São Paulo, outro lugar atingido pelo vazamento, mas dizem que conseguira­m mergulhar após uma operação de limpeza do lugar. “Se não melhorar, voltamos para Morro”, diz ela.

Os dois caminhavam na ilha em busca de um canto em Boipeba, depois de Moreré, mais limpo para tentar dar um mergulho.

Bruna molhava os pés com água doce a cada poucos minutos para tirar os pedaços de óleo grudados. No fim de semana, ela e o namorado pediram óleo de cozinha a locais para retirar fragmentos de óleo dos pés.

As paulistana­s Flávia Leite, 28, e Nathália Costa, 27, começaram a planejar a viagem para a ilha meses antes da chegada das manchas de óleo às praias do Nordeste. Chegaram na segunda passada à Bahia.

“Não frustrou as férias, o lugar é lindo de qualquer jeito. Mas é uma bad, uma preocupaçã­o a mais”, diz Flávia.

Mais desavisado­s do que os turistas brasileiro­s, Benjamin Tiby, 26, e Fanny Allard, 24, da Guiana Francesa, contam que ficaram muito surpresos com as manchas.

Souberam da notícia por meio do dono da pousada em que estão hospedados. É a primeira vez que visitam o local. “Estamos tristes e desapontad­os”, diz Allard.

Cozinheira em uma barraca na praia de Moreré, Rosinete Xavier, 28, diz que notou uma diminuição no movimento de turistas após a chegada do óleo. “Ninguém quer tomar banho ou entrar em contato com a água”, diz ela.

Na última terça (22), quatro praias na região foram interditad­as e, horas depois, liberadas: Cueira (Boipeba), Segunda e Terceira praias (Morro de São Paulo) e Ponta do Quadro (Guarapuá).

Óleo em Boipeba leva turistas a evitar mar e mudar roteiro Júlia Zaremba

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Júlia Zaremba/Folhapress Praia de Moreré, na ilha de Boipeba, foi a mais impactada na região

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