Folha de S.Paulo

Ator e diretor Jorge Fernando morre aos 64 anos

Icônica cena de torta na cara entre Fernanda Montenegro e Paulo Autran em ‘Guerra dos Sexos’ foi dirigida por ele

- Cristina Padiglione

Profission­al que se consagrou na receita que injetou humor ao melodrama do folhetim, em parceria com Silvo de Abreu, o ator e diretor Jorge Fernando morreu na noite de domingo (27), no Rio de Janeiro, aos 64 anos. Ele teve uma parada cardíaca devido a um aneurisma dissecante da aorta, informa o Hospital Copa Star, em Copacabana, onde chegara no final da tarde.

Jorge Fernando teve participaç­ão essencial na consagraçã­o do pastelão, que viria a dominar a faixa da novela das sete da Globo desde “Guerra dos Sexos” (1983), de Abreu. As melhores cenas de bolos e tortas na cara da história da telenovela foram filmadas pelas mãos dele, incluindo a icônica sequência entre Fernanda Montenegro e Paulo Autran na mesma “Guerra dos Sexos”.

A feliz dobradinha do deboche com Abreu na novela das sete se estendeu a “Cambalacho” (1986) e “Deus nos Acuda” (1992), mas também aos suspenses que pontuaram humor na faixa das 21h, como “Rainha da Sucata” (1990) e “A Próxima Vítima ”(1995), assinando ainda “Vereda Tropical” (1984) e “Vira Lata (1996), ambas de Carlos Lombardi, outro autor bom de escracho no horário das 19h.

Jorge Fernando esteve ainda em “Que Rei Sou Eu?” (1989), um marco do folhetim brasileiro na TV, de Cassiano Gabus Mendes, de quem dirigiu também “Brega & Chique” (1986), título que endossa o pastelão das sete, com Glória Menezes e Marília Pêra.

Outras doses de glacê foram consumidas sob o seu crivo em “Chocolate com Pimenta” (2003), de Walcyr Carrasco, de quem dirigiu ainda “Alma Gêmea” (2004) e “Êta Mundo Bom” (2016).

Jorginho, co moera chamado por amigos e colegas, falava sorrindo e sorria com os olhos, de um azul agigantado. Chegou à TV como ator, no seriado “Ciranda Cirandinha” (1978). Fez “Pai Herói” (1979) e “Água Viva”, mas mesmo depois de se posicionar atrás das câmeras não se esquivava de dar o ar da graça em breves participaç­ões em cena.

Sua mãe, Hilda Rebelo, hoje com 95 anos, surgia com frequência em seus trabalhos e funcionava tão bem em cena que ele jamais foi acusado de nepotismo.

Embora a notícia de sua morte tenha surpreendi­do muita gente, o diretor vinha perdendo o brilho do olhar fazia alguns anos. Em 2015, há quatro anos, conversamo­s em São Paulo no set de “Êta Mundo Bom”, que ele dirigiu.

Já bem mais magro naquela ocasião, tendo retornado ao trabalho após um problema de saúde, dizia que estava fazendo anove laparas e diverti retornar felizes as pessoas que estivessem no sete diante da tela. Lamentou a perda de amigo saqueia assistindo, de morte em morte, como algo natural para quem vai envelhecen­do, mas num processo sempre doloroso.

Era um dia pouco convidativ­o para um carioca, quase beirando a garoa. Mas Jorginho, como de costume, vestia bermuda e camiseta. Visto também com frequência metido em regatas, era uma figura naturalmen­te solar, não importavam as condições de temperatur­a e pressão a que estivesse submetido.

Pouco tempo depois, em 2017, viria a sofrer um AVC e a atravessar um período de recuperaçã­o. O amigo Silvio de Abreu, diretor do núcleo de teledramat­urgia da Globo, quis vê-lo de volta ao set, o melhor centro de recuperaçã­o para alguém que se entretinha com o trabalho, e lhe destinou “Verão 90”.

A produção era visivelmen­te barata, de finalizaçã­o frágil, mas divertida e era estrelada por uma de suas divas mais queridas, a amiga Cláudia Raia.

Apesar da finalizaçã­o tosca, anove latinha o seu valor nostálgico­e a audiência respondeu bem. Só para variar, entrou em cena pouco antes do desfecho, sem imaginar que seria sua última exposição aos holofotes.

Com perdão pela percepção de lugar-comum, é certo dizer que o sujeito se vai, mas sua obra fica —não por estar registrada em videoteipe, longe disso, mas porque o estilo que imprimiu segurament­e é referência indispensá­vel para quem veio evirá depois dele a trabalhar nessa indústria do audiovisua­l de produção diária, digna da insanidade.

 ?? Lenise Pinheiro/Folhapress ?? Jorge Fernando, em 2000, no espetáculo ‘Boom’, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo
Lenise Pinheiro/Folhapress Jorge Fernando, em 2000, no espetáculo ‘Boom’, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil