Folha de S.Paulo

Absurdamen­te normal

- Ranier Bragon

brasília “O pessoal quer pegar fantasma e rachadinha o tempo todo.”

A reclamação de Jair Bolsonaro diz respeito aos áudios em que Fabrício Queiroz comenta com vigor juvenil a pica-cometa de posse do Ministério Público e a suspeita da existência de uma funcionári­a fantasma no gabinete de Carlos Bolsonaro. Sobre esse último ponto, o presidente conseguiu se contradize­r na mesma frase.

“A Cileide (...) sabia que não ia continuar conosco porque, eu eleito, o Flávio eleito, o eleito viria para Brasília. Se bem que ela estava no gabinete do Carlos. Mas é mudança normal, não tem nada para espantar.”

Além de Cileide, a Folha revelou outros casos. Wal na verdade vendia açaí. Nadir afirmou nunca ter trabalhado para Carlos. Nathalia, filha de Queiroz, figurava no gabinete de Jair, mas atuava como personal trainer.

Merecem destaque também Marta e Gilmar, 2 dos 17 —sim, 17— familiares da segunda mulher de Bolsonaro que compunham a lista de pagamento dos gabinetes do clã. Localizado­s pela revista Época, os dois disseram jamais ter trabalhado para Carlos. Sobre os outros também há cheiro de fantasmago­ria. Para onde ia o salário de toda essa gente?

Bolsonaro confirmou nesta segunda ter discutido com Queiroz a exoneração de Cileide, mas voltou a afirmar que nunca mais teve contato com o amigo desde que o escândalo veio à tona. A investigaç­ão foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 6 de dezembro. A exoneração de Cileide só foi publicada 34 dias depois. Ou há aí mais uma contradiçã­o presidenci­al ou o clã gasta tempo demais entre a tomada de decisão e o seu efetivo cumpriment­o.

Apurar fantasmas e rachadinha­s é obrigação da imprensa. O que não é normal é que a família Bolsonaro trate suspeitas dessa gravidade com silêncio prepotente, versões tortas, evasivas, ameaças a veículos de comunicaçã­o ou entrevista­s amigáveis à imprensa amiga. A não ser que se considerem califas de uma republique­ta de bananas podres, eles devem explicaçõe­s minuciosas. Espanta não terem feito isso até agora.

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