Folha de S.Paulo

Uma garota e a literatura

No Dia Nacional do Livro, a leitura como terapia

- Ana Beatriz Brandão Escritora, 20; é autora, entre outros, de ‘O Garoto do Cachecol Vermelho’ e ‘A Garota das Sapatilhas Brancas’ (ed. Verus)

Eu tinha apenas 13 anos e passava os recreios sozinha. Queria me enturmar. Sempre fui a mais nova, a mais ingênua, a “gordinha” da sala. Rótulos que só deixaram de fazer sentido quando minha mãe fez uma coisa que mudou minha vida: colocou livros na mochila. Lembro que nos corredores eu superava os problemas folheando as páginas: foi quando a literatura passou a ser a minha melhor e única amiga na escola.

Nesta terça-feira (29), Dia Nacional do Livro, lembro que os livros me ajudavam a passar o tempo, a me distrair e a me sentir melhor. Demorei para entender que aquele sentimento de tristeza que eu vivenciava, a vontade de não ir para a escola ou de sair de casa eram, na verdade, sintomas da depressão. Junto com os livros e o apoio dos meus pais, comecei a fazer terapia. Não é vergonhoso admitir que precisamos de ajuda. Todos passam por momentos em que se veem sem rumo e sem forças para lutar. Há pessoas que nos amam e que podem nos ajudar a passar por essa fase difícil.

Uma das maneiras de superar a depressão e o bullying é falar sobre o assunto. A mensagem que quero passar com a minha experiênci­a de vida é: não, você não está sozinho. Se não consegue falar com os seus pais, converse com um professor, parente mais íntimo ou os pais daquele colega de quem você gosta. A minha mãe, ao me apresentar aos livros, fez mais do que me ajudar. Lembro que ela sempre falava: uma hora tudo isso vai passar e você vai ver o quão forte e maravilhos­a é.

Anos mais tarde, passei de garota que amava ler a escritora. Colocava

todos os sentimento­s que me afligiam nos textos. Concentrei toda a minha energia em escrever livros. Uma das situações que me orgulham são as inúmeras mensagens que recebo dos leitores. Muitos deles relataram que eu, a garota que antes sofria por estar fora dos padrões, os ajudava a ver o mundo com outros olhos. Não consigo expressar o tamanho da gratidão. Num dia era a leitora que precisava de auxílio; no outro, a escritora que levava carinho e mensagem de superação.

A pressão social que sofri quase me fez desistir de tudo. A sorte é que tive pessoas que me ajudaram, e o resultado dessa trajetória me deixa com ainda mais vontade de seguir em frente. Acabo de lançar o meu sexto livro: “Entre a Luz e a Escuridão”. Outro momento marcante parra mim foi a obra “O Garoto do Cachecol Vermelho” virar filme.

Viram? Superar o bullying e a depressão não foi tarefa fácil. Minha mãe disse que passaria e que eu sairia mais forte. Foi exatamente o que aconteceu. Encontrei na literatura a razão do meu viver. Tenho muito orgulho de tudo isso, mas o que me dá impulso para seguir é saber que outros jovens podem também fazer do hábito de ler uma verdadeira terapia para a vida.

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Paulo Branco

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