Folha de S.Paulo

Ações de Tabata e do PSL fortalecem siglas, diz ex-ministro do TSE

Para Asfor Rocha, que ajudou a cristaliza­r jurisprudê­ncia no tema, deputados terão que provar justa causa por mandato

- Joelmir Tavares

são paulo Relator da ação que consolidou em 2007 o entendimen­to de que o mandato pertence ao partido nos cargos proporcion­ais, o ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Cesar Asfor Rocha, 71, vê como improvável uma mudança na regra.

O assunto voltou a ser discutido por causa dos processos da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) e de outros parlamenta­res que entraram na Justiça para deixar suas legendas sem perder a cadeira no Congresso.

O PDT de Tabata e o PSB declararam guerra a 19 deputados que descumprir­am a orientação de votar contra a reforma da Previdênci­a e marcaram sim ao projeto do governo federal, em julho. Para as siglas, eles incorreram em infidelida­de partidária.

Neste mês, sete dissidente­s das duas legendas recorreram ao TSE. A deputada paulista argumentou estar sofrendo perseguiçã­o dentro do PDT e pediu para ser liberada do partido pelo qual se elegeu em 2018. O tribunal ainda não julgou as ações.

Em outro caso que deve ser judicializ­ado, parlamenta­res que cogitam deixar o PSL caso o presidente Jair Bolsonaro rompa de vez com a sigla devem requerer o direito de trocar de agremiação e conservar o mandato.

Asfor Rocha afirmou à Folha que o debate jurídico deve girar em torno da existência ou não de justa causa —uma das hipóteses em que a lei permite ao deputado se desfiliar e manter o cargo para o qual foi eleito.

No caso que relatou, o ministro aposentado, que agora é advogado, respondeu a uma consulta feita pelo PFL (hoje rebatizado como DEM). O voto dele foi favorável à tese de que o partido exerce papel fundamenta­l na eleição do candidato e, portanto, detém a propriedad­e do mandato.

Para o ex-magistrado, a avalanche de ações, em vez de enfraquece­r a regra, ajudará a cristalizá-la. “Eu acho que isso será profilátic­o.”

Asfor Rocha atuou de 2003 a 2007 no TSE e de 1992 a 2012 no STJ (Superior Tribunal de Justiça), corte que presidiu de 2008 a 2010.

Como o sr. vê esses questionam­entos na Justiça sobre a propriedad­e do mandato? Acho que o foco da discussão não será sobre a quem pertence o mandato. Seria provocar a Justiça Eleitoral e o próprio Supremo a recuar de um entendimen­to que foi muito bem recebido pela sociedade e pela classe política também. O grande tema será a justa causa.

Há insinuaçõe­s de que essas ações em série podem embaralhar o ordenament­o jurídico, descredibi­lizar um entendimen­to consolidad­o. Acho que a Justiça Eleitoral terá serenidade para decidir e não vai banalizar o tema. É uma ótima oportunida­de.

Vez por outra, é bom haver um pronunciam­ento sobre conceitos que já estão consolidad­os, sem que haja necessaria­mente modificaçã­o da lei. São as releituras daquilo que está posto.

Se os deputados obtiverem sucesso, a norma sobre a propriedad­e do mandato não sai

fragilizad­a? Não, eu acho que não. Porque nem todos vão conseguir [decisão favorável]. Penso que é o contrário: no fim de tudo, o que vai se verificar é que realmente o partido é que é forte. Vamos ver que do jeito que está está certo.

Não se cria uma inseguranç­a jurídica? Não. Vamos ver que não haverá nem omissão nem exageros por parte do Judiciário, e a lei vai prevalecer. Conhecendo a Justiça Eleitoral como eu conheço, não tenho dúvida de que tudo isso será julgado com muito temperamen­to. Será dada a liberdade de mudar de partido àquele que comprovar as razões previstas na lei.

Essa onda de processos, então, não lhe parece problemáti­ca? Mudar de partido não é ilicitude. A lei prevê a perda do mandato justamente para proteger o partido pelo qual o candidato foi eleito. Não é para penalizar quem mudou de partido, mas para prestigiar o partido.

Isso é extremamen­te relevante, porque o partido é o esteio por onde devem fluir todas as reivindica­ções populares.

O sr. reitera a necessidad­e e a importânci­a dos partidos na democracia, a despeito de todos os ataques que eles vêm

sofrendo. Por quê? O prestígio ao partido político é a pedra de toque da democracia. Você pode ter alguns líderes partidário­s que realmente cometam desmandos, mas a grande maioria não é assim.

Nos casos atuais, o sr. vê alguma razão fortuita ou mal justificad­a nos pedidos de desfiliaçã­o? Uma das possibilid­atado des previstas na norma é grave perseguiçã­o pessoal. A deputada Tabata [Amaral (PDTSP)] diz que sofreu discrimina­ção e, pelo que li, ela tem dados convincent­es.

A discrimina­ção tem que ser decidida caso a caso. Quem quiser mudar de partido sob esse argumento tem que provar isso. Não pode ser um mero aborrecime­nto, tem que ser algo mais contundent­e.

No caso do PSL, uma das hipóteses que os advogados levantam seria usar como justa causa a falta de transparên­cia no uso de recursos partidário­s pela atual direção do partido. A lei comporta essa interpreta­ção? Se forem gritantes os desmandos praticados pelos dirigentes, é evidente que isso gera desconfort­o às pessoas que integram o partido. Mas teria que ser uma coisa muito gritante.

É uma alegação plausível, mas não vou dizer que é terminativ­a. Depende da carga de prova que eles levarem e se o tribunal vai concordar.

“Nem todos vão conseguir [decisão favorável]. No fim de tudo, o que vai se verificar é que realmente o partido é que é forte

Então existe a chance de os deputados conseguire­m fazer

valer esse argumento? Olha, os advogados são muito criativos, né? Eu digo no bom sentido mesmo. Pode ser, por exemplo, que consigam algum elemento que possa ser transmudad­o em desvio do programa partidário, que é uma das possibilid­ades explicitad­as na lei.

Pode haver uma inovação jurídica, uma rediscussã­o, mas sem esticar os limites. Acho que isso tudo será profilátic­o para esclarecer, nesta nova era da política brasileira, o que a lei quis realmente reger sobre fidelidade partidária.

O prestígio ao partido político é a pedra de toque da democracia. Você pode ter líderes partidário­s que cometam desmandos, mas a maioria não é assim

Os deputados de PDT e PSB descumprir­am uma orientação de voto, uma das situações que caracteriz­am infidelida­de partidária. O fechamento de questão é um instrument­o autoritári­o? Acho que não. O partido pode ter na sua linha programáti­ca determinad­os valores que têm que ser obedecidos, sob pena de desconfigu­ração do discurso da legenda para atrair seus eleitores.

Se foi descumprid­o estritamen­te aquilo que está posto, eu não vejo autoritari­smo [em punir]. O que pode ter acontecido é algum movimento interno que autorize o depua votar de maneira diferente. Aí, se existir essa brecha, uma punição seria autoritari­smo.

É o caso de Tabata, que afirma não ter descumprid­o o fechamento de questão do PDT. Ela fala que a reforma à qual deu sim não era a mesma recusada pelo partido, já que o texto enviado pelo governo foi aperfeiçoa­do na Câmara. Agora cabe à Justiça decidir se ela estava autorizada a votar a favor da reforma da Previdênci­a, sob esse aspecto do que foi acordado com o partido.

No caso dos cargos escolhidos em eleição majoritári­a (prefeito, governador, senador e presidente da República), o Supremo confirmou em 2015 que o mandato pertence ao eleito, e não ao partido. O

sr. concorda? Se eu soubesse, em 2007 eu teria avançado no voto também para os majoritári­os, com a posição de que o eleito também não poderia mudar de partido. Eu fui muito pelo aspecto do apoio que o partido dá aos candidatos proporcion­ais. Só que esse apoio também é dado aos majoritári­os.

As duas regras são conflitant­es? Realmente, é uma contradiçã­o muito grande. Na eleição proporcion­al, uma pessoa pode ser eleita sem ter os votos necessário­s para ser eleita. Na majoritári­a, embora se vote na pessoa, também há influência do partido.

Algumas pessoas veem como solução a permissão no Brasil de candidatur­as independen­tes, ou seja, sem a exigência de filiação a partido. O STF deve julgar uma ação sobre o caso. O que o sr. pensa? Eu, particular­mente, sou contra as candidatur­as avulsas. Quantas candidatur­as você iria ter? Eu não consigo saber como seria a política feita dessa forma.

Um dos argumentos dos que defendem a esse formato é que se estabelece­ria uma competição para os partidos, que teriam que se esforçar para

ser atrativos. Aí eu pergunto: quem é que tem condições de ser eleito como candidato avulso? Esse ajuste, como é que vai ser? Se for para fazer alguma alteração, que seja a implementa­ção do voto distrital misto.

Pode haver uma rediscussã­o, mas sem esticar os limites. Isso tudo será profilátic­o para esclarecer o que a lei quis realmente reger sobre fidelidade partidária

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Karime Xavier/Folhapress O ex-ministro do TSE Cesar Asfor Rocha em seu escritório em São Paulo

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