Folha de S.Paulo

Assembleia de SP tem histórico de arquivar suspeitas de ‘rachadinha­s’

Investigaç­ões sobre desvios de salários de funcionári­os travam no Ministério Público e no Legislativ­o

- Carolina Linhares

são paulo Será uma exceção se resultar em denúncia e condenação a investigaç­ão sobre a suspeita de “rachadinha” no gabinete do deputado estadual paulista Gil Diniz, líder do PSL na Assembleia Legislativ­a e braço direito da família Bolsonaro em São Paulo.

Outras suspeitas de que deputados recolhiam para si parte do salário de funcionári­os comissiona­dos não prosperara­m em investigaç­ões do Ministério Público e tampouco foram analisadas na Casa.

A pedido da reportagem, a assessoria da Assembleia fez um levantamen­to e informou que desde 1999 não houve casos de “rachadinha” levados ao Conselho de Ética. Isso não significa, porém, que não houve acusações desse tipo envolvendo deputados da Casa.

Muitas vezes os casos também incluíam suspeitas de outras práticas ilegais, como nepotismo e funcionári­os fantasma —a maior parte terminou arquivada pelo Ministério Público de São Paulo.

Em março, por exemplo, a Promotoria arquivou denúncia anônima de “rachadinha” no gabinete de Campos Machado (PTB). Em julho, outra apuração, sobre funcionári­os fantasmas e nepotismo, também foi arquivada.

Nesse caso de “rachadinha”, os investigad­ores apontam que a acusação não tinha fundamento­s que a comprovass­em e, por ser anônima, não havia como solicitar mais informaçõe­s ao denunciant­e.

Também partiu de uma denúncia anônima a investigaç­ão instaurada em julho para apurar suspeita no gabinete de Coronel Nishikawa (PSL). O inquérito está sob sigilo.

A denúncia anônima, no entanto, é somente uma das dificuldad­es na investigaç­ão de “rachadinha­s”. É preciso haver testemunha­s dispostas a confirmar as suspeitas e, em geral, essas pessoas são funcionári­os dos gabinetes —ou seja, não interessad­as em revelar todo o esquema.

Além das provas testemunha­is, a investigaç­ão busca dados bancários e financeiro­s que corroborem o desvio do salário dos funcionári­os.

No caso de Gil Diniz, revelado pelo Painel, da Folha,

Sessão do Conselho de Ética da Assembleia Legislativ­a de SP

o promotor Ricardo Manuel Castro determinou que a Assembleia forneça a qualificaç­ão completa dos funcionári­os do gabinete do deputado e também os comprovant­es de pagamento dos salários deles.

No dia 21, o promotor deu 15 dias para que Gil Diniz se defenda das acusações e marcou para 21 de novembro a oitiva de Alexandre Junqueira, exfuncioná­rio que denunciou o suposto esquema.

“Presenciei por várias vezes a circulação de dinheiro em espécie e o pagamento de diversas contas particular­es com esse dinheiro oriundo da ‘rachadinha’”, relatou Junqueira. O ex-assessor diz ainda que o gabinete abriga uma funcionári­a fantasma.

Diniz afirma que a acusação é falsa e que Junqueira a fez em retaliação por ter sido exonerado.

Outra suspeita de “rachadinha” na Assembleia paulista diz respeito ao deputado Luiz Fernando Teixeira (PT) e foi arquivada neste ano.

“A representa­ção tem roupagem de denúncia anônima, subscrita por pessoa autodenomi­nada por Otaviano da Silva sem qualificaç­ão nem documentaç­ão nem endereço válido. Não apresentou informaçõe­s confiáveis”, escreveu a promotora Luciana Vieira

Dallaqua Vinci, ao pedir o arquivamen­to, em maio.

A acusação, de 2017, fala em “rachadinha”, funcionári­o fantasma, nepotismo cruzado, lavagem de dinheiro, ausência para viagem ao exterior, tráfico de influência e evolução patrimonia­l injustific­ada.

O caso também foi analisado pela Promotoria do Patrimônio Público e Social, que o arquivou em janeiro de 2018.

Houve ainda acusação contra o ex-deputado Adilson Rossi (PSB), relatando prática de nepotismo e que um de seus funcionári­os não recebia o valor integral do salário, só R$ 500. O inquérito foi instaurado e arquivado em 2014, sem comprovar as suspeitas.

Ainda está em andamento no Ministério Público uma investigaç­ão sobre a ex-deputada Clélia Gomes (Avante), revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Uma ex-assessora do seu gabinete depôs à Justiça e confessou ter sido responsáve­l por arrecadar parte do salário dos funcionári­os.

A acusação também relata a existência de funcionári­os fantasmas, outro expediente frequente e com o mesmo propósito da “rachadinha” —o de desviar salários de assessores para proveito próprio.

A legislação permite que assessores parlamenta­res atuem fora da Assembleia, em outras cidades do estado.

Edmir Chedid (DEM) é alvo de duas investigaç­ões que apuram se ele nomeou na Assembleia pessoas que de fato não trabalhava­m para seu mandato. Uma terceira investigaç­ão, sobre o mesmo tema, foi arquivada em 2018.

Um dos casos, revelado pelo SBT em 2015, também envolve o ex-deputado Aldo Demarchi (DEM). Os parlamenta­res empregaram os aliados João Carlos Vitte (DEM), exprefeito de Santa Gertrudes, e seu filho, João Carlos Vitte Jr., na Assembleia, mas, segundo a reportagem, ambos se dedicavam a atividades pessoais.

Em 2016, Renato Bolsonaro, irmão do presidente Jair Bolsonaro, foi exonerado após acusação de que seria funcionári­o fantasma do deputado André do Prado (PL). Ele estava lotado no gabinete desde 2013, mas foi flagrado trabalhand­o em uma das suas lojas de móveis em Miracatu.

O inquérito sobre o caso também foi arquivado. Em novembro de 2017, o Ministério Público concluiu que não se demonstrou que Renato não trabalhava para o deputado.

Foram apresentad­os documentos que demonstram sua participaç­ão em eventos representa­ndo o deputado e também a folha de ponto que atesta a frequência —esta, no entanto, é controlada pelos próprios deputados.

Deputados negam irregulari­dades nos gabinetes

Campos Machado (PTB) reiterou sua inocência nos casos investigad­os. Luiz Fernando (PT) afirmou ter sido vítima de uma denúncia anônima. “Reitero que este tipo de prática ilegal não faz parte do meu mandato”, disse.

Coronel Nishikawa (PSL) negou a prática de “rachadinha” em seu gabinete. Edmir Chedid (DEM) afirmou que “os servidores citados já foram ouvidos e comprovara­m o exercício de suas atividades e controle de presença”. Disse ainda que “calúnias e acusações fantasiosa­s” partem de adversário­s políticos.

Aldo Demarchi (DEM) afirmou que seu funcionári­o “recebia as demandas de várias cidades da região” e atendia “entidades e a população em geral”. A reportagem não obteve resposta dos demais deputados citados até a conclusão desta edição.

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Mauricio Garcia de Souza - 2.out.19/Divulgação Alesp

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