Folha de S.Paulo

Boeing vive pior crise e retorno do 737 Max é incerto 1 ano após queda

Acidente com o avião na Indonésia matou 189 pessoas; modelo está suspenso desde março

- Guilherme Magalhães

são paulo Há um ano nesta terça-feira (29), um avião Boeing 737 Max da companhia Lion Air decolou do aeroporto de Jacarta, na Indonésia, com 189 pessoas a bordo. Doze minutos depois, a aeronave caiu no mar de Java, ao norte da capital, sem sobreviven­tes.

O acidente foi o primeiro envolvendo a recém-lançada aeronave, última geração do modelo mais vendido da história.

Desde então, uma segunda queda em circunstân­cias semelhante­s elevou para 346 o número de mortes em acidentes envolvendo o Max, que teve os voos suspensos em março e protagoniz­a a pior crise da Boeing em seus 103 anos.

Enquanto a empresa viu seu lucro operaciona­l despencar 97% nos primeiros nove meses deste ano em relação ao mesmo período de 2018, relatos internos de funcionári­os e relatórios de órgãos especializ­ados apontaram negligênci­a da Boeing durante o processo de certificaç­ão do Max.

Com isso, a expectativ­a de retomar a operação da aeronave ainda em 2019 fica cada vez mais distante. Companhias americanas com o modelo na frota já revisaram os planos para 2020 consideran­do que o avião não deve voltar a voar antes do primeiro trimestre.

A suspensão de voos atingiu 387 aeronaves de 59 companhias aéreas —entre elas a Gol, única brasileira a operar o Max. Além deles, no entanto, cerca de outros 200 aviões se acumulam nos pátios e estacionam­entos de fábricas da Boeing nos EUA, pois a empresa não deixou de fabricar o modelo nesse período.

No centro dos dois acidentes está o software MCAS (Maneuverin­g Characteri­stics Augmentati­on System, ou sistema de ampliação de caracterís­ticas de manobra).

Tanto na Indonésia como na Etiópia, os pilotos lidaram com um avião instável após esse software receber informaçõe­s incorretas de um sensor localizado na fuselagem.

Em junho, o jornal The New York Times revelou que a Boeing, um ano antes de o Max ser concluído, decidiu basear a atuação do MCAS em apenas um sensor de ângulo de ataque —e não nos dois que todo 737 possui na parte dianteira.

A mudança não foi informada de forma clara aos reguladore­s, pois até então o MCAS era apresentad­o como um software que seria ativado apenas em situações raras.

Em março de 2016, durante o processo de certificaç­ão, o piloto-chefe para o projeto, Mark Forkner, pediu à FAA para retirar as informaçõe­s sobre o MCAS do manual do piloto. A agência não viu problemas.

O mesmo Forkner, no entanto, em novembro daquele ano, trocou mensagens com um colega nas quais relata um comportame­nto imprevisív­el do MCAS em simuladore­s de voo. “Ele está funcionand­o desenfread­o”, escreveu.

As mensagens privadas, descoberta­s pela Boeing em fevereiro deste ano, só foram tornadas públicas na semana passada, quando a empresa entregou transcriçõ­es das conversas aos congressis­tas americanos que investigam a certificaç­ão do Max.

Os diálogos contradize­m as declaraçõe­s da empresa de que desconheci­a possíveis falhas no software do MCAS.

“Eu basicament­e menti para os reguladore­s (sem saber)”, afirmou Forkner em uma das mensagens ao colega.

Em nota, a Boeing considerou “lamentável que este documento, que foi fornecido no início deste ano a investigad­ores do governo, não possa ter sido divulgado de maneira a permitir explicaçõe­s detalhadas. Embora não tenhamos conseguido falar diretament­e com o sr. Forkner sobre seu entendimen­to acerca do documento, ele declarou por meio de seu advogado que seus comentário­s refletiam uma reação a um programa de simulador que não estava funcionand­o adequadame­nte e ainda estava sendo testado”.

O presidente-executivo da Boeing, Dennis Muilenburg, comparecer­á a audiências no Senado dos EUA, nesta terça, e na Câmara, nesta quarta (30).

Entre as correções que Muilenburg irá apresentar estão o redesenho do MCAS, que vai comparar informaçõe­s dos dois sensores de ângulo de ataque e somente será ativado se os dados concordare­m entre si. Além disso, o software não irá se sobrepor aos comandos manuais dos pilotos no cockpit.

Depois dos acidentes, o projeto do Max passou por escrutínio­s de diversos órgãos.

Em setembro, relatório do Painel Nacional de Segurança em Transporte­s (NTSB, na sigla em inglês), órgão americano, culpou a Boeing por suposições errôneas durante o desenvolvi­mento do Max.

Um novo relatório, produzido pela FAA, Nasa e outros nove reguladore­s internacio­nais e divulgado no início de outubro, concluiu que enquanto a agência americana foi informada sobre o software, “a informação e as discussões a respeito do MCAS foram tão fragmentad­as e entregues a grupos desconexos” que “foi difícil reconhecer os impactos e implicaçõe­s desse sistema”.

Se a FAA estivesse ciente de todos os detalhes, diz o documento, a agência provavelme­nte teria requisitad­o análises adicionais sobre o sistema, que poderiam ter identifica­do suas falhas.

Para os investigad­ores do acidente na Indonésia, porém, o software não foi o único responsáve­l pela queda do avião da Lion Air há um ano.

Divulgado na última sexta (25), o relatório final concluiu que nove fatores levaram ao acidente. Entre os principais, além da atuação do MCAS em si, estão reparos feitos no sensor em questão por uma empresa na Flórida, falta de documentaç­ão de manutenção da aeronave (responsabi­lidade da companhia) e falhas dos pilotos ao lidar com o caos no cockpit após a decolagem.

“Os nove fatores precisam acontecer ao mesmo tempo”, afirmou na sexta o chefe da investigaç­ão indonésia, Nurcahyo Utomo. “Se um desses nove fatores não tivesse acontecido, a queda não teria ocorrido.”

 ?? Gary He/Reuters ?? Impedidos de serem entregues às companhias aéreas, aviões 737 Max são estocados em pátio da Boeing em Seattle, no oeste dos EUA
Gary He/Reuters Impedidos de serem entregues às companhias aéreas, aviões 737 Max são estocados em pátio da Boeing em Seattle, no oeste dos EUA

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