Carioca perde filho combatente do Estado Islâmico e dois netos na Síria
Como ela, pais de militantes que foram ao país em guerra tentam há anos recuperar os familiares
washington Quando foi informada em 2015 de que seu filho Brian de Mulder tinha morrido aos 22 anos na Síria, onde lutava ao lado do Estado Islâmico, Ozana Rodrigues encontrou algum conforto no fato de que ele havia tido dois filhos naquele país.
As crianças, diz a carioca de 48 anos, inclusive se pareciam com seu Brian. Mas o consolo recentemente se transformou em outra dor. Em janeiro passado, Rodrigues soube que os netos também morreram durante a guerra.
“Eu tinha a maior vontade de conhecer meus netinhos”, afirma à Folha, ao falar pela primeira vez sobre a tragédia. “Não tenho dúvida de que o Brian seria um excelente pai. Sempre foi carinhoso.”
Sua angústia é ainda maior pela escassez de informações. Rodrigues quase nada sabe sobre a morte —e a vida— de seus netos. A mais velha se chamava Aisha e tinha cerca de quatro anos. Do mais novo, a brasileira não sabe o nome. Ele nasceu depois da morte de Brian e provavelmente tinha cerca de três anos.
Brian possuía apenas a nacionalidade belga, porque não foi registrado como brasileiro. A mãe de seus filhos, Sara Chamkhi, era holandesa e também vivia na Síria. Como as crianças nasceram em um território controlado pelo Estado Islâmico, não foram registradas. Oficialmente, não existiam para país nenhum.
Assim, quando a família de Chamkhi telefonou a Rodrigues para avisá-la da morte da nora e dos netos, a brasileira não tinha a quem recorrer para confirmar a informação.
A reportagem da Folha procurou os governos da Bélgica e da Holanda. As autoridades se recusaram, porém, a comentar esse caso.
Pessoas familiarizadas com a situação na Síria confirmaram a morte de Chamkhi, mas Rodrigues provavelmente nunca saberá com certeza se os netos de fato morreram. Ela não tem nem prova de que eles um dia viveram, além das poucas fotos que recebeu por WhatsApp. Tudo o que sabe é que, em tese, as crianças foram vítimas de bombardeios.
A brasileira não está sozinha nesse pesadelo burocrático. Os pais de militantes que fugiram à Síria vindos de todo o mundo tentam há anos recuperar os filhos e os netos. Eles esbarram, porém, na falta de informação. Ademais, governos estrangeiros debatem o que fazer com os cidadãos e a prole que nasceu durante a guerra, sem documentação.
Essa questão é ainda mais urgente desde que, em 9 de outubro, a Turquia iniciou uma incursão militar no norte da Síria contra as forças curdas, a quem considera rivais. A ação está temporariamente suspensa após um cessar-fogo mediado pelos EUA.
Os curdos, que foram um dos principais aliados americanos no combate ao Estado Islâmico, controlam prisões e campos de refugiados com membros da facção radical e seus familiares. Há receio de que eles morram ou escapem.
Brian é o caso mais célebre dentro do Estado Islâmico com algum vínculo com o Brasil. Radicalizado por uma facção terrorista na Bélgica, onde vivia com a mãe, ele fugiu em 2013 e se mudou para a Síria. Ali, ficou conhecido como Abu Qassem Brazili (“Abu Qassem Brasileiro”, em árabe).
Sua morte foi noticiada pela Folha em novembro de 2015. Foi supostamente vítima de conflitos em Deir Ezzor, no nordeste sírio. A família recebeu a foto de seu cadáver via WhatsApp. Se estivesse vivo, hoje Brian teria 26 anos.
“Saio na rua, vejo as vitrines das lojas e imagino como o meu filho ficaria vestindo aquelas roupas. Fico sonhando. Ele já estaria formado, seria pai”, afirma Rodrigues. “Não falo muito sobre essa parte da minha vida porque me causa muita raiva. Não consigo nem ler sobre o que a Turquia está fazendo.”
Para tentar mitigar a dor, ela escondeu as fotos do filho nas gavetas de sua casa. “Só espero que o Dia do Julgamento Final chegue logo”, afirma ela.
Rodrigues se tornou uma ferrenha crítica do governo belga. Diz que, apesar de seus suplícios, as autoridades nada fizeram. “Fiquei esperando que alguém trouxesse meus netos para mim e, pelo visto, esperei demais”, diz.
“O prefeito da Antuérpia dizia que meu filho era um terrorista”, afirma, com indignação. “O Brian não tinha coragem de matar nem um mosquito. Não existe prova nenhuma de que ele tenha feito qualquer coisa na Síria. Se fez, foi porque obrigaram ele.”
Circula em fóruns radicais uma fotografia de Brian empunhando uma arma ao lado de um militante.
Questionada pela reportagem se não se importa em ter sua história publicada no jornal, Rodrigues diz que inclusive acha bom, para que sirva de alerta para outros pais que estão na sua situação. “Para que não durmam mais.” Os filhos e os netos deles, afinal, podem ainda estar na Síria.
“Eu tinha a maior vontade de conhecer meus netinhos Ozana Rodrigues mãe de Brian de Mulder