Folha de S.Paulo

Eleição de Fernández traz preocupaçã­o para o setor agropecuár­io argentino

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

O produtor rural argentino teme que a eleição de Alberto Fernández, neste domingo (27), traga uma brusca mudança na política do setor agropecuár­io.

A preocupaçã­o não é sem motivos. A vice-presidente de Fernández, Cristina Kirchner (presidente de 2007 a 2015), fez várias intervençõ­es na política interna e externa do agronegóci­o argentino durante seu governo.

O resultado foi o setor pagar caro para produzir, perder competitiv­idade internacio­nal e ter de dividir boa parte das receitas com o governo.

Durante o governo de Cristina Kirchner, o agronegóci­o viveu um dos momentos mais difíceis das últimas décadas. A administra­ção federal do país colocou pesadas taxas sobre as exportaçõe­s e, pior ainda na avaliação dos produtores, impôs cotas de exportação.

Estas últimas impediam uma programaçã­o de plantio. Os produtores nunca sabiam o quanto plantar porque a definição das cotas só seria feita com base no volume total produzido pelo país.

Foi um período tão difícil que a área de trigo, um dos principais cereais semeados na Argentina, chegou a cair para o menor patamar em cem anos.

Com as contas em frangalhos, e sem receitas, o governo kirchneris­ta buscou dólares nas exportaçõe­s do agronegóci­o. Colocou taxa de 35% nas receitas com as vendas externas de soja, de 23% nas de milho e de 20% nas de trigo.

Ao assumir, em dezembro de 2015, Mauricio Macri eliminou os impostos sobre milho e trigo e definiu uma redução escalonada de 0,5 ponto percentual por mês para a soja.

Em agosto de 2018, porém, a situação financeira se deteriorou ainda mais e o governo Macri voltou com os impostos sobre o setor agropecuár­io.

O percentual cobrado nas exportaçõe­s de soja caiu de 26% para 18%, mas o governo passava a cobrar 4 pesos por dólar arrecadado com as vendas de milho e de trigo.

O campo cresceu no período de Macri e houve uma inversão no ritmo de produção. A área com milho, que tinha recuado para 3,9 milhões de hectares no último ano do governo Kirchner, subiu para 6,4 milhões neste ano.

Já a área de trigo, que tinha recuado para 4,1 milhões de hectares em 2015/16, voltou a crescer no governo atual, somando 6,6 milhões neste ano.

A soja perdeu espaço, recuando de 20 milhões de hectares no final do governo de Cristina, para 18 milhões neste ano, segundo a Bolsa de Cereais de Buenos Aires.

Para Daniele Siqueira, analista da AgRural, os impostos devem retornar. O governo deve ter aprendido, no entanto, que a política de cotas e de intervençã­o no mercado para controlar inflação foi errada.

Os resultados acabaram sendo o inverso do que se pretendia. O produtor, sem uma definição clara das regras, pisou no freio e semeou menos. A Argentina teve queda de produção e perdeu espaço no mercado externo.

A produção e a exportação de carne bovina, uma marca dos argentinos no passado, tiveram forte redução. Só agora o país começa a se recuperar.

A política agrícola a ser adotada por Fernández tem reflexos no Brasil. Se o governo desincenti­var o plantio de milho, colocando taxas e cotas no cereal, o Brasil continuará com boa participaç­ão no mercado externo deste produto.

Neste caso, os argentinos elevam a área de soja e competem com os brasileiro­s.

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Mauro Zafalon/Folhapress Gado em pasto na região de Santa Fé, na Argentina

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