Folha de S.Paulo

O bom uso dos dados pessoais Há potencial para ampliar o entendimen­to sobre políticas públicas e serviços do governo

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa

O enorme volume de informaçõe­s hoje disponívei­s é recurso decisivo para o avanço da nossa economia. Com base nos dados, empresas conseguem identifica­r potenciais compradore­s para seus produtos. Aplicativo­s de trânsito disponibil­izam, em tempo real, as melhores rotas de deslocamen­to. O uso de dados para embasar decisões estratégic­as está aí e veio para ficar.

E por que não usar os dados pessoais a serviço do país e sua população? O governo, grande detentor de informaçõe­s cadastrais coletadas nas diversas esferas da administra­ção pública, também deveria usá-los a seu favor, otimizando a provisão de serviços públicos de forma inteligent­e e a baixo custo.

Além do uso em processos gerenciais e administra­tivos do governo, dados pessoais permitem que diferentes informaçõe­s dos cidadãos sejam integradas, constituin­do importante insumo na avaliação de políticas públicas.

Essas, em geral, afetam diversos domínios dos indivíduos —saúde, educação, mercado de trabalho— e precisam ser avaliadas pelo conjunto da obra, tanto no curto quanto no longo prazo, através da vinculação de dados vindos de diferentes fontes. Aqui, vale notar que os dados pessoais servem apenas como ligação entre as informaçõe­s, não sendo a própria informação pessoal objeto de estudo ou avaliação.

Ainda que as vantagens do uso de dados pessoais para a melhoria de serviços e políticas públicas sejam claras, a unificação de registros e compartilh­amento das informaçõe­s cadastrais é tarefa difícil para nossa administra­ção pública.

A vinculação de dados esbarra na difícil harmonizaç­ão dos múltiplos números de identifica­ção pessoais existentes, como NIS, CPF, número de identidade, título de eleitor, número SUS. Além disso, a decisão de compartilh­amento de dados fica a cargo dos próprios gestores públicos, que podem ser pessoalmen­te responsabi­lizados por eventual má conduta no uso dos dados cedidos.

Nesse sentido, o decreto 10.064 publicado no início do mês traz importante­s avanços.

Ele estabelece uma base unificador­a com dados dos cidadãos, que permitirá a integração de informaçõe­s que no momento encontram-se completame­nte isoladas. O decreto também trata, de forma mais explícita, dos diversos níveis de compartilh­amento previstos entre os entes públicos.

Já o decreto 10.047 abriu margem para o compartilh­amento de informaçõe­s com entidades privadas, uma grande conquista no aumento da transparên­cia das ações e políticas governamen­tais, que passam a ficar sujeitas a avaliações externas.

Resta, assim, apenas o questionam­ento sobre o uso antiético e o vazamentos de informaçõe­s pessoais e sensíveis, em possível violação ao direito de privacidad­e agora amparado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).Por óbvio, há limites éticos no uso das informaçõe­s pessoais, assim como também há preocupaçã­o com o sigilo e a segurança dos dados. Mas a mera existência de riscos não deve ser o freio desse enorme progresso.

Na ponderação entre riscos e retornos, os benefícios do uso de dados dos cidadãos na administra­ção pública são gigantesco­s. Já os riscos podem ser bastante mitigados com a definição de protocolos que garantem a segurança dos dados, protocolos estes ainda não especifica­dos pela LGPD, que entra em vigor em agosto de 2020 trazendo enorme risco de paralisia no já modesto compartilh­amento de informaçõe­s dos cidadãos.

O uso dos dados dos cidadãos tem grande potencial para ampliar nosso entendimen­to sobre as políticas públicas e os serviços prestados pelo governo. Precisamos apenas garantir que eles sejam usados para o bem e com segurança, com base nas melhores práticas de acesso a dados pessoais e sensíveis.

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