Folha de S.Paulo

Governo quer concorrênc­ia por saneamento em cidades

Ministério da Economia oferece ajuda para realizar licitações e verba federal

- Thiago Resende

brasília O governo federal planeja oferecer apoio técnico e financeiro a municípios que quiserem abrir o setor de água e esgoto para exploração pela iniciativa privada.

Determinad­a a estimular a competição entre empresas públicas e privadas, a equipe econômica quer ajudar a formular licitações e disponibil­izar recursos federais para investimen­tos em saneamento.

Um projeto que muda regras do setor deve ser votado nesta semana em comissão na Câmara sob forte pressão de companhias estaduais, principalm­ente do Norte e do Nordeste, e governador­es.

Em entrevista à Folha ,orelator especial da ONU em direito à água e ao saneamento, o brasileiro Léo Heller, disse que a proposta de ampliar participaç­ão privada na área é falaciosa.

Após a declaração, o governo reagiu. “É opinião política. A carreira toda dele [Heller] é pró-estatal, e o resultado é de mais de 100 milhões de brasileiro­s desconecta­dos da rede de esgoto”, afirmou o secretário de Desenvolvi­mento da Infraestru­tura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria.

A equipe do presidente Jair Bolsonaro (PSL) diz acreditar que as estatais se tornaram ineficient­es, perderam o poder de investimen­to e não são capazes de universali­zar o serviço de água e esgoto.

Por isso, na visão do governo, é necessário abrir o mercado para o setor privado.

Se conseguir convencer a maioria dos parlamenta­res a adotar a medida, o Ministério da Economia pretende oferecer informaçõe­s e estudos sobre viabilidad­e econômica, técnica e ambiental para as licitações e ajudar na elaboração dos planos e governança do saneamento.

Além disso, deve ser criado um grupo interminis­terial para coordenar o Plano Nacional do Saneamento Básico, cuja meta é universali­zar o acesso ao serviço até 2033.

“O BNDES pode colocar algumas linhas [de financiame­nto]. Queremos garantir o acesso a recursos federais. Há diversas ferramenta­s necessária­s para estimular o saneamento”, disse Faria.

Para o secretário, a ineficiênc­ia das estatais tem travado a liberação de empréstimo­s para obras de água e esgoto, pois muitas companhias estaduais não conseguem nem sequer concluir um projeto a ser financiado. Atualmente, apenas cerca de metade dos recursos disponívei­s é usada, segundo Faria.

Levantamen­to do governo federal aponta que nove estados usam mais de 50% da receita operaciona­l para pagamento de pessoal, reduzindo o espaço para investimen­tos. A maioria está no Norte e no Nordeste, onde há maior carência de cobertura.

Sem consenso, o Congresso debate o novo marco regulatóri­o do setor desde o fim da gestão de Michel Temer (MDB).

A equipe de Bolsonaro aproveitou quase toda a proposta do antecessor para defender que a escolha do operador de água e esgoto do município seja por concorrênc­ia (licitação) entre o setor público e o privado.

No capítulo mais recente do embate no Congresso, a Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para analisar todos os diferentes projetos para novas regras de saneamento. O relator é o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), cujo voto está alinhado com o governo.

A versão apresentad­a pelo deputado federal desagradou a empresas estaduais de saneamento, prefeitos e governador­es do Nordeste, que articulam a derrubada da proposta. Dessa forma, o deputado Fernando Monteiro (PP-PE) entregou um texto alternativ­o.

A versão é pela manutenção dos chamados contratos de programa, assinados diretament­e entre municípios e companhias estaduais de água e esgoto —sem necessidad­e de concorrênc­ia.

Prefeitos, hoje, podem fazer contratos com empresas privadas, mas o setor diz haver muitos entraves que dificultam a ampliação da participaç­ão privada.

O objetivo do governo e de Zuliani é acabar com os contratos de programa e abrir o mercado à iniciativa privada.

Até a próxima quarta (30), o relator deve fazer ajustes para atender a pedidos de membros da comissão. O deputado confia que o projeto será aprovado pelo colegiado e, até o fim de novembro, ser votado no plenário da Câmara. Se aprovada, a proposta terá de voltar ao Senado, que analisou o tema em junho.

Os senadores decidiram que o melhor seria permitir que os municípios prorrogass­em os contratos com as estatais de água e esgoto, o que permitiria a atuação de companhias estaduais —sem concorrênc­ia— por até 30 anos.

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