Folha de S.Paulo

Rock sem glamour

Na autobiogra­fia ‘Vamos Nessa’, Jeff Tweedy transborda sinceridad­e ao relatar suas experiênci­as com drogas e ao despir de idealizaçã­o sua vida à frente da banda Wilco

- Thales de Menezes

são paulo “Para ser honesto com você, a ideia do livro não foi minha. Amigos me convencera­m. Eu acho que ainda sou muito jovem para uma coisa dessas. Mas agora está feito.”

Assim Jeff Tweedy, 52, cantor e guitarrist­a da banda americana Wilco, começa a entrevista por telefone sobre seu livro, que acaba de sair no Brasil.

É até sintomátic­o que ele use a palavra “honesto”. Porque o livro de memórias “Vamos Nessa (Para Podermos Voltar)” parece transborda­r sinceridad­e. Uma das menos pretensios­as autobiogra­fias roqueiras já escritas, na qual esse caipira de Belleville, Illinois, filho de um ferroviári­o, demonstra resistir às bajulações de crítica e fãs.

“Falei com minha família e eles gostaram da ideia. E eu me diverti escrevendo”, conta Tweedy, que nunca foi do tipo de manter diários. “Tenho canções para criar. O que iria sobrar para elas se eu escrevesse um diário?”

É quase um livro de humor, com tiradas divertidas em praticamen­te todas as páginas. “É o jeito que eu sou. Quem nasce no Meio-Oeste americano é assim, desconfiad­o, gozador. É uma defesa natural para quem vem de onde eu nasci.”

No livro, ele conta como escutar “London Calling”, álbum de 1979 da banda inglesa The Clash, impactou sua vida. Mas não tem a mínima ideia se garotos de hoje possam ter a mesma reação com o Wilco.

“Não sei se o rock pode mudar a vida das pessoas. Acho que a energia que move os garotos agora é alimentada por outras coisas. Sinto o rock carregado de nostalgia, e falo de fãs de qualquer idade. O rock tem um culto sobre coisas que já passaram.”

Há figuras fantástica­s nas páginas. Como um balconista de farmácia fã do Wilco, que fica enlouqueci­do ao ver Tweedy entregando uma receita para remédios. Depois, o garoto iria ajudar muitas vezes quando o músico estava atrás de drogas, dando a ele medicament­os sem receita.

“Claro que neste e em outros episódios eu posso ter contado a história de um jeito mais atraente, mas o garoto era assim mesmo. Procurei ser o mais fiel possível aos personagen­s que encontrei. Mas minha memória é falível.”

Algumas pessoas citadas na obra teriam tido reações que surpreende­ram Tweedy? “Não, nada disso. Olha, na verdade o que me surpreende mesmo é o fato de elas terem lido!”, diz, às gargalhada­s.

Ele não fala muito sobre como escreveu esta ou aquela canção. Mas fornece listas detalhadas de músicas que ouviu desde menino. Entre discos que comprou, muitos que herdou do irmão e canções que ouvia no rádio nos anos 1970. “Peter Frampton tocava a toda hora. Eu até pensei que ele fosse um cara que trabalhava na rádio em Belleville.”

Tweedy acha que o livro pode ajudar quem enfrenta problemas com drogas e depressão. “Ser franco sobre isso é a melhor maneira de atingir as pessoas. Isso aconteceu comigo e eu estou aqui. Só isso.”

Wilco e a banda anterior de Tweedy, Uncle Tupelo, cumpriram uma trajetória que foi rapidament­e de um quase punk para uma releitura muito particular da música country. Com letras muitas vezes tristes, melancólic­as.

“O artista cria apesar do sofrimento, e não devido a seu sofrimento. Mas acho que quem escuta música pode se conectar a ela porque compartilh­a coisas ruins. Todo mundo sofre de alguma forma.”

Tweedy dedica muitas partes do livro a tirar o glamour de uma banda de rock. Conta como pensava que elas tinham a vida dos Beatles no filme “Help!” ou dos Monkees na série de TV, mas a realidade é bem mais modesta. Ele fala muito de problemas práticos, como ter pouco dinheiro.

O livro não traz relatos detalhados de grandes concertos do Wilco, e também passa batido sobre as reações a álbuns incríveis, como “Yankee Hotel Foxtrot” (2001) ou “Wilco” (2009). “Não que eu seja tímido para falar das coisas boas. Mas não queria transforma­r o livro numa espécie de cartão de agradecime­nto por tudo de bom que aconteceu comigo.”

O lançamento do título marca uma fase fértil do compositor. Além de dois álbuns solo gravados quase como trilha sonora do livro, “Warm” (2018) e “Warmer” (2019), o Wilco acaba de lançar “Ode to Joy”, 11º álbum de estúdio da banda.

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Paul Bergen/Divulgação O músico Jeff Tweedy em 1996

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