Folha de S.Paulo

Relato falso baseou citação a Jair Bolsonaro no caso Marielle, diz Promotoria

Ministério Público afirma que razões por trás de relato de porteiro serão investigad­as; para PGR, divulgação do caso foi ‘factoide’

-

rio de janeiro e brasília O Ministério Público do Rio de Janeiro disse nesta quarta-feira (30) que um porteiro deu informação falsa ao fazer citação ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) em depoimento prestado na investigaç­ão da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes.

A promotora Simone Sibilio disse, a princípio, que o funcionári­o do condomínio onde Bolsonaro tem casa no Rio mentiu. Depois, afirmou que a informação prestada por ele “não guarda compatibil­idade com a prova técnica”.

“O porquê de o porteiro ter dado depoimento será investigad­o. Se ele mentiu, se equivocou ou esqueceu”, disse Sibilio.

Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, de terça (29) apontou que um porteiro (cujo nome não foi revelado) deu depoimento dizendo que, no dia do assassinat­o da vereadora, Élcio Queiroz, expolicial militar suspeito de envolvimen­to no crime, afirmou na portaria do condomínio que iria à casa de Bolsonaro, na época deputado federal.

No depoimento exibido pela emissora, ao interfonar para a casa de Bolsonaro, homem com a voz do presidente atendeu e autorizou a entrada. Mas o suspeito foi a outra casa.

A divulgação do caso levou Bolsonaro a fazer transmissã­o em rede social, em tom agressivo e irritado, com ataques à Globo e ao governador do Rio, Wilson Witzel (PSC).

O procurador-geral da República, Augusto Aras, classifico­u a divulgação do episódio como “factoide” e afirmou que a menção ao nome do presidente na investigaç­ão já havia sido arquivada pela PGR e pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta quarta, Sibilio afirmou que a investigaç­ão teve acesso à planilha da portaria do condomínio e às gravações do interfone, e que restou comprovado que a informação dada pelo porteiro não procede. O Ministério Público pediu no dia 15 perícia dos áudios —concluída nesta quarta.

Segundo a Promotoria, há registro de interfone para a casa 65 (a de Bolsonaro é a de número 58), e a entrada de Élcio foi autorizada pelo morador do imóvel, Ronnie Lessa —preso sob suspeita de envolvimen­to na morte de Marielle.

Na planilha do condomínio, apreendida pelo Ministério Público, constava que em 14 de março de 2018 —quando a vereadora foi assassinad­a— Élcio foi para a casa 58, que é de Bolsonaro. A Promotoria não explicou por que houve anotação errada do número da casa. Disse que isso ocorreu por vários motivos e eles serão apurados.

O Ministério Público disse não ser possível dizer ainda se a gravação é do mesmo porteiro que prestou depoimento —embora diga que Élcio entrou só uma vez no condomínio e que, pela perícia, a autorizaçã­o foi dada por Lessa.

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, publicou vídeo nesta quarta, segundo ele gravado no condomínio, apontando que a solicitaçã­o de entrada de Élcio foi para a casa de Ronnie Lessa, e não de Bolsonaro.

Ele reproduziu a ligação registrada às 17h13. O porteiro anuncia a chegada do “senhor Élcio”. A voz do outro lado, diferente da de Jair Bolsonaro, responde: “Tá, pode liberar aí”.

O Ministério Público disse que não pegou a planilha no dia da prisão de Lessa e Queiroz, em março, porque não havia registro de entrada para a casa 65. E que a polícia não sabia que havia sistema de gravações. “Nem moradores sabiam que existia”, disse Sibilio.

A planilha só virou alvo da investigaç­ão em outubro, quando peritos acessaram dados do celular de Lessa. O aparelho foi apreendido em março, mas estava bloqueado por senhas.

Ao desbloquea­r o celular, os investigad­ores notaram que a mulher de Lessa enviou em janeiro, para o marido, foto da planilha de entrada do condomínio, que indicava acesso à casa 58. O envio foi feito em 22 de janeiro, dois dias antes de Lessa e Queiroz serem ouvidos na Delegacia de Homicídios sobre o assassinat­o — na ocasião, eles estavam soltos, ainda sob investigaç­ão.

Com base nisso, a polícia apreendeu documentos no início do mês. Nesse dia, o síndico do Vivendas da Barra revelou que havia gravações entre a portaria e os moradores.

Na noite desta quarta, Bolsonaro postou nas redes sociais foto de despacho da Advocacia-Geral da União pedindo a Procurador­ia-Geral da União a instauraçã­o de investigaç­ão para apurar o vazamento de informaçõe­s no inquérito da morte de Marielle Franco, que corre em segredo de Justiça.

O ofício fala em improbidad­e administra­tiva e enquadrame­nto na Lei de Segurança Nacional, que pune com reclusão de um a quatro anos os crimes de calúnia e difamação da figura do presidente.

Na postagem, Bolsonaro disse que o porteiro é quem menos tem culpa “nesse novo crime” e que muitas autoridade­s tiveram acesso ao processo.

“O porquê do porteiro ter dado depoimento será investigad­o. Se ele mentiu, se equivocou ou esqueceu; todas as pessoas que prestam falso testemunho podem ser processada­s Simone Sibilio promotora

“Por si só, a notícia de fato [com a menção a Bolsonaro, que chegou ao STF] já encerrava a solução do problema. O que existe agora é um problema novo, o factoide que gerou um crime contra o presidente Augusto Aras procurador­geral da República

 ?? José Dias/Divulgação Presidênci­a ?? Jair Bolsonaro na partida da Arábia Saudita
José Dias/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro na partida da Arábia Saudita

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil