Folha de S.Paulo

Relato falso baseou citação a Jair Bolsonaro no caso Marielle, diz Promotoria

- Júlia Barbon, Talita Fernandes e Gustavo Uribe Leia mais sobre o caso nas págs. A12, A14 e A18

Nesta quarta, a promotora Letícia Emily afirmou que foram apreendida­s gravações de janeiro a março. Ela diz que todo o material foi submetido a perícia no Ministério Público, que atestou não ter ocorrido adulteraçã­o.

Emily disse ainda que, segundo as investigaç­ões do Ministério Público do Rio, não há provas concretas de que o ex-deputado Domingos Brazão seja o mandante do assassinat­o de Marielle nem o responsáve­l por obstruir as investigaç­ões.

Brazão foi alvo de pedido de investigaç­ão da ex-procurador­a-geral da República Raquel Dodge, por considerar haver suspeitas contra o ex-deputado. Ela também o denunciou sob acusação de obstrução de Justiça por ter tentado atrapalhar as investigaç­ões do caso.

De acordo com reportagem do UOL, no texto ela afirma que o ex-deputado é também o mandante do crime.

O novo PGR, Augusto Aras, disse que o arquivamen­to da menção ao nome de Bolsonaro não paralisa investigaç­ões no Rio sobre os demais suspeitos de envolvimen­to na morte de Marielle.

Paralelame­nte, o procurador-geral informou que remeterá para o Ministério Público Federal no Rio pedido feito pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para que se investigue­m as circunstân­cias em que o porteiro do condomínio de Bolsonaro citou o nome do presidente em depoimento à polícia do Rio.

Segundo Aras, há suspeitas de que tenha havido a intenção de prejudicar Bolsonaro.

“Por si só, a notícia de fato [com a menção a Bolsonaro, que chegou ao STF] já encerrava a solução do problema”, disse Aras nesta quarta. “[O arquivamen­to ocorreu] porque não tinha nenhuma hipótese [de investigaç­ão do presidente] a não ser a mera comunicaçã­o [ao STF].”

“O que existe agora é um problema novo, o factoide que gerou um crime contra o presidente”, disse.

Moro pediu a Aras que instaurass­e inquérito para investigar os possíveis crimes de obstrução de Justiça, falso testemunho ou denunciaçã­o caluniosa, nesse caso tendo como vítima o presidente. Ana Luiza Albuquerqu­e, Italo Nogueira, Reynaldo Turollo Jr., Thais Arbex e Camila Mattoso seria “absolutame­nte inadequado e contrário às instituiçõ­es democrátic­as”.

Na versão de Bolsonaro, a conversa com Witzel teria ocorrido no Rio, mas na data apontada por ele ambos estavam em Brasília.

“No dia 9 de outubro, às 21 horas, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando o governador Witzel chegou para mim e disse: o processo está no Supremo”, contou. “Que processo? O que eu tenho a ver? E o Witzel disse que o porteiro citou meu nome. Ele sabia do processo que estava em segredo de Justiça.”

A reportagem da Folha estava no evento em Brasília no dia 9 e presenciou o encontro entre Bolsonaro e Witzel. De uma distância de cerca de 100 metros, do lado de fora do salão, o gesticular deles deixou transparec­er que os ânimos estavam exaltados.

Bolsonaro deixou o local minutos depois da conversa com o governador fluminense e, segundo relatos de pessoas presentes, o clima pesou com a chegada de Witzel.

Em 11 de outubro, uma sexta-feira, Witzel e Bolsonaro participar­am de uma cerimônia em Itaguaí (RJ), onde fica o Clube Naval. Na ocasião, o presidente mandou um recado: “Trabalho para que, no futuro, quem porventura, de forma ética, moral e sem covardia, venha a assumir o destino da nação encontre a pátria numa situação muito melhor do que encontrei”.

O presidente pronunciou a passagem “de forma ética, moral e sem covardia” olhando para Witzel.

Na manhã da quarta-feira seguinte (16) o presidente teve audiência com os ministros do STF Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Na sequência, falou em separado com Gilmar Mendes.

Segundo a reportagem do Jornal Nacional, no dia seguinte ao encontro de Bolsonaro com Toffoli, o presidente da corte teria recebido integrante­s do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro para tratar da menção a Bolsonaro na apuração sobre a morte de Marielle.

Ainda naquela semana, antes de embarcar para a viagem à Ásia, Bolsonaro recebeu seu advogado Frederick Wassef e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

O encontro com ambos ocorreu no sábado, 19, no Palácio do Alvorada, em compromiss­os que não foram registrado­s na agenda oficial da Presidênci­a.

Se as acusações de Bolsonaro sobre Witzel se provassem reais, criminalis­tas apontam que caberia ao Ministério Público levar a denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), já que o governador tem foro especial.

A Assembleia Legislativ­a do Rio também poderia agir, alegando crime de responsabi­lidade, que pode ser a base para um impeachmen­t.

E Bolsonaro, estaria cometendo crime de prevaricaç­ão ao não denunciar Witzel quando este supostamen­te lhe deu detalhes da investigaç­ão? As opiniões divergem, mas o entendimen­to geral de especialis­tas consultado­s pela Folha é que seria “forçação de barra”.

“Não caberia a prevaricaç­ão, porque ele não tem o dever de acusar um governador que sabe algo contra ele mesmo [Bolsonaro]. O direito de defesa prevalece sobre o direito estatal, revelar isso significar­ia autoacusaç­ão”, diz Sérgio Shecaira, professor de direito da USP e conselheir­o do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

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