Folha de S.Paulo

Guedes e bancos na era do juro baixo

Com Selic perto do piso, política econômica e juros bancários vão ficar na berlinda

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Na virada de 2019 para 2020, a taxa básica de juros terá chegado a um nível baixo o bastante para ficar quase invisível nos debates sobre a retomada do cresciment­o. A conversa vai mudar de rumo. Os juros bancários e a possível ou provável lerdeza do PIB (Produto Interno Bruto) serão alvos ainda mais evidentes de queixas.

O Banco Central reduziu a taxa básica, a Selic, o piso do custo do dinheiro no país, de 5,5% ao ano para 5% ao ano, nesta quarta-feira (30). Afora desastres, a Selic deve ir a 4,5% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, em 11 de dezembro. Com apenas moderado otimismo, pode-se chutar que deva cair a 4% até março de 2020. A taxa real de juros ficaria então abaixo de 0,5% ao ano. Por ora, anda em torno de 1% ao ano, mínima histórica.

Quais os riscos? Uma daquelas tormentas financeira­s em países ricos ou “emergentes”, um colapso no programa liberal deste governo e Congresso ou um tumulto político (desde 2013, tivemos pelo menos um por ano, com a exceção deste 2019 e olhe lá).

Mesmo sem solavancos graves, também não está escrito em pedra que os “juros do BC” cairão. Mas é o jeitão da coisa. Quais são os fatores que podem influencia­r as decisões do BC, segundo o texto que comunicou a decisão sobre a Selic, nesta quarta-feira? O que pode modificar o cenário (análise do “balanço de riscos”, no jargão), levando os juros mais para baixo ou para cima?

A lerdeza da economia, seu alto nível de capacidade produtiva ociosa, e a inércia ainda podem produzir inflação abaixo do esperado (os juros continuari­am a cair). Inércia: a inflação passada baixa vai pressionar menos os preços no futuro, tudo mais constante, por meio, por exemplo, de expectativ­as e de reajustes menores de contratos e outros acordos indexados a índices de preços (de alugueis a salários).

Mas pode haver também “riscos ruins” para a inflação. Ou melhor, haveria agora nova dificuldad­e de projetar o futuro dos preços, dado o ineditismo da situação, de taxas de juros historicam­ente baixas.

Na linguagem do comunicado do Banco Central: “O atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a economia, aumenta a incerteza sobre os canais de transmissã­o e pode elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”.

Esse risco aumenta em caso de confusão na economia mundial ou, ainda segundo a diretoria do Banco Central, com a “eventual frustração em relação à continuida­de das reformas e à perseveran­ça nos ajustes necessário­s na economia brasileira”.

Com taxa básica real de juro a 0,5%, o BC não teria mais nada a fazer que, em tese, pudesse ter efeito no cresciment­o, segundo a teoria e a prática convencion­ais.

Não se trata de dizer que essa baixa histórica de juros terá necessaria­mente efeito sobre o ritmo de recuperaçã­o da economia.

Caso o PIB não dê sinais de vida lá pelo primeiro trimestre de 2020, Paulo Guedes vai ficar na berlinda, por bons ou maus motivos e argumentos, não vem ao caso.

Seja como for, a Selic está perto de um piso, excluída a hipótese de anormalida­de ainda maior na economia brasileira. No entanto, não é assim com os juros bancários.

O custo do dinheiro para os bancos desceu também a um nível próximo do piso. As taxas para empresas e famílias continuam altas.

Seja qual for o argumento para justificá-la, a aberração das taxas bancárias vai ficar mais do que nua e crua: vai ficar sem pele, assim como ficam certos devedores dos bancos.

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