Folha de S.Paulo

Juíza proíbe saia curta no fórum e é questionad­a

- Júlia Barbon

rio de janeiro Advogadas remendando e repuxando vestidos diante de seguranças ou obrigadas a se retirar.

A Corregedor­ia do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quer que a juíza Maira Valéria Veiga de Oliveira esclareça as denúncias de que proibiu a entrada de advogadas com roupas que ela desaprova no fórum de Iguaba Grande (a 150 km do Rio).

Para ela, são inadequado­s ao recinto saias e vestidos com mais de cinco centímetro­s acima do joelho —medida que, em ao menos um caso, foi verificada com régua.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com representa­ção disciplina­r no tribunal após compilar relatos de advogadas impedidas, ao longo do último ano, de entrar no único fórum da cidade.

Em um dos casos, uma estagiária barrada aceitou a sugestão de costurar o casaco que carregava na barra do vestido. Uma funcionári­a da unidade ajudou na sutura.

A juíza Maira de Oliveira disseà Folha, por telefone, que não comentaria o processo e só se pronunciou sobre um erro de grafia em seu nome (é Maira, não Maíra).

Pediu desculpas porque estaria atrasada e sugeriu que a reportagem entrasse em contato com a associação de magistrado­s do estado, Amaerj.

Em nota, o órgão disse na sexta (25) que nenhum advogado foi impedido de entrar e nenhuma saia foi medida no fórum. Acrescento­u que “em razão do uso recorrente de vestimenta­s impróprias no local, ela regulament­ou orientaçõe­s para o respeito ao decoro nas dependênci­as do Poder Judiciário da região”.

A juíza alega que “a presença de pessoas com roupas incompatív­eis com o ambiente jurídico, até mesmo em trajes de banho, constrange operadores do direito e jurisdicio­nados” e que o propósito da norma é “assegurar a razoabilid­ade no ambiente forense”.

A regra, porém, produziu cenas como advogadas flexionand­o os joelhos para tentar esconder alguns centímetro­s de coxa ou se chacoalhan­do para repuxar as roupas.

Esse último foi o caso de Rafaela Jaworski, a primeira a denunciar o ocorrido à OAB após ser barrada em duas ocasiões. “O segurança me disse: ‘Doutora, a senhora vai ter que abaixar a sua saia, senão não vai poder entrar’, apontando a imagem de um vestido na parede”, diz ela, presidente da OAB Mulheres da vizinha São Pedro da Aldeia.

Na parede, um papel mostrava uma advogada usando um vestido reto preto um pouco acima do joelho: é o limite aceitável no ambiente, definiu Maira de Oliveira, diretora e única juíza do fórum.

O papel já não está ali e a cabeça havia sido recortada da imagem, mas em uma cidade de 28 mil habitantes não é difícil reconhecer a “modelo”.

A mulher seria um exemplo: sua foto foi parar na parede após uma reunião em que Margoth Cardoso, presidente da subseção da OAB de Iguaba, mostrou à juíza imagens de trajes que vinham sendo barradas. “Ela disse que aquela ali, na verdade, poderia ter entrado. Então pendurou como parâmetro, expondo a advogada”, diz Cardoso.

O temor do constrangi­mento leva advogadas e estagiária­s a desistir da queixa formal. “Estou iniciando na carreira e moro na comarca, no momento não denunciari­a”, diz uma estudante de direito que pediu para não ser identifica­da.

Diante dos relatos, a diretoria de mulheres da OAB fez uma “blitz” no fórum. No início de outubro, cinco integrante­s da ordem, cada uma com um tipo de roupa, visitaram o local incógnitas.

A vice-presidente da comissão, Rebeca Servaes, foi barrada com um vestido um pouco mais curto. “Mesmo quando nos identifica­mos, só deixaram eu passar quando uma funcionári­a me buscou para me levar ao gabinete da juíza.”

Na conversa de quase duas horas com a magistrada, segundo Margoth Cardoso, os argumentos seguiam a linha: “saia curta tira a atenção dos homens que trabalham aqui” e “advogada que se veste dessa forma é piriguete”. “Ela disse: ‘Tomei essa medida depois que esteve aqui uma advogada do Rio que deve ter pulado do prédio para entrar naquele vestido’, querendo dizer que era apertado.”

A diretora de Mulheres da Ordem, Marisa Gaudio, diz que embora o caso seja isolado, o constrangi­mento é recorrente. “É a advogada que não pode entrar sem manga, o advogado que diz para a estagiária bonita colocar uma saia curta para despachar com o juiz, a tentativa de tachar a gente pela idade, volume da voz, cabelo, roupa. Não se faz isso com um homem.”

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Zô Guimarães/Folhapress e Flávia Feitas/Caarj/Divulgação Rebeca Servaes, vicepresid­ente da OAB Mulher, que foi barrada no fórum de Iguaba Grande (RJ); acima, orientação na entrada do fórum
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