Folha de S.Paulo

Repórter engole muita água e fica em posição fetal para domar o kitesurfe

Jornalista tem aulas do esporte que une prancha e pipa em Jericoacoa­ra, conhecida pelos bons ventos

- Ivan Finotti O jornalista viajou a convite do Casana Hotel

jericoacoa­ra Sou uma negação tão grande em esportes radicais que errei neste aqui até no nome: kitesurfe.

Quando chegou o convite do hotel de luxo Casana para que eu tomasse aulas de kite na praia do Preá, em Jericoacoa­ra, no Ceará, a visão que veio à mente era a seguinte: eu ficaria preso ao kite (pipa) por uma espécie de cadeirinha enquanto um jet ski se encarregar­ia de me puxar.

Eventualme­nte, o kite se inflaria e eu levantaria voo, com o mar lá embaixo, ligado ao veículo náutico por meio de um cabo e em total segurança.

Aceitei na hora. Só que tinha confundido os esportes. Minha visão paradisíac­a envolvia o parasail, em que você é realmente puxado por uma lancha e carrega uma espécie de paraquedas, responsáve­l por te levantar. Esforço próximo a zero, imagino.

O kitesurfe é meio que o contrário: você fica na água tentando se equilibrar em uma pranchinha e controland­o o kite lá em cima, enquanto ele te puxa. Até dá para voar alguns metros se você conseguir usar uma das ondas como trampolim.

E a praia do Preá é excelente para o esporte. O local é um parque eólico, cujo vento passa de 30 km/h para 45 km/h em instantes. A temporada de melhor ventania é entre agosto e novembro.

De acordo com os especialis­tas, são necessária­s cerca de 12 horas de aula para conseguir velejar (eis o verbo usado no esporte). Eu não tive tudo isso; consegui fazer umas sete ou oito.

A primeira lição é aprender a controlar o kite em terra. Ele é conectado a você por meio de um cinto grosso, que envolve a barriga. Dele, saem quatro linhas que terminam na pipa lá em cima, voando entre 20 e 30 metros de altura.

Quando a pipa está bem em cima de você, como se fosse o ponteiro das 12 horas de um relógio, fica surpreende­ntemente quietinha. À sua frente, fica a barra de controle, que tem o centro fixo e os cantos móveis, mais ou menos como um guidão de bicicleta.

Então, você puxa a barra para o lado direito. O kite desce nessa direção que nem uma bala de canhão e se esborracha na areia. Claro, você puxou muito. As coisas aqui são delicadas, não se pode usar força. Tentando de novo, dá para ir encontrand­o o equilíbrio, em que ele fica voando como se estivesse às 2 horas no relógio imaginário.

Só que o vento não ajuda nada. Diferentem­ente da posição central, em que a pipa praticamen­te não se move, quando ela está mais próxima do chão você tem que mexer a barra o tempo todo, para a esquerda e para a direita, para que se estabilize.

Aí, para dificultar mais um pouco, entra uma terceira dimensão da barra de controle. Quando você a puxa com as duas mãos em direção ao seu peito, o kite pega força e seu corpo é arrancado do chão. É parecido com aquele momento em que a pessoa puxa a cordinha do paraquedas e é arremessad­o para o alto.

Para que a pressão se desfaça, é preciso empurrar a barra de controle de volta para a posição inicial.

Tudo isso vai contra o que o cérebro anda acostumado, que seria puxar para parar e empurrar para acelerar. Mas tudo bem, estamos sendo radicais, certo?

No segundo dia de aula, é hora de entrar na água, ainda sem a prancha. Nada simples: como na hora do vamos ver você vai carregar a prancha com a mão direita, vai ter que fazer tudo aquilo que já aprendeu em terra apenas com a esquerda. E dá-lhe kite sambando para lá e para cá.

Engolir água salgada é fácil nessa situação, logo compreendi. E, ao puxar a barra um pouquinho demais, lá vai você voando acima das ondas totalmente sem rumo para se estatelar cinco metros adiante.

Nessa noite meu pescoço estava doendo de tanto olhar para cima. E as pernas e os braços, em frangalhos.

O sofrimento se dissipa no bar à beira da praia do Casana, que tem frutas, água de coco e drinques.

Além de um bartender de primeira, o paranaense Gustavo Smolinski, o hotel tem o chef mineiro Renato Machado, que todos os dias manda o menu do almoço e do jantar pelo WhatsApp aos hóspedes para que eles escolham entre o espaguete com lagosta ou o polvo grelhado com purê de cenoura, por exemplo.

De alto luxo, ou pós-luxo, como preferem os gerentes, devido ao comprometi­mento do hotel com a natureza, o Casana tem apenas oito bangalôs independen­tes e preços a partir de R$ 4.060 a diária para o casal, com pensão completa. Há ainda spa, piscina, fogueira e churrasque­ira. As aulas de kite custam R$ 330 por hora.

Há opções mais em conta na região, como no Rancho do Peixe, onde a hora de aula custa R$ 264 e a diária parte de R$ 636 (por pessoa).

No terceiro dia de aula, entramos com a prancha no mar. Aí o bicho pega.

Imagine que você está lá no meio do mar, temperatur­a superior a 30ºC, a mão direita segurando a prancha e a esquerda tentando controlar esse monstro voador.

Aí é preciso ficar boiando em posição fetal para tentar encaixar os pés nos buracos da prancha, enquanto as ondas batem alegrement­e na sua cara, sem clemência alguma.

“Bebi” água inclusive pelo nariz, sensação humilhante que não experiment­ava desde a infância. Mas vamos lá. Controle a barra para que a pipa faça movimentos em formato de oito no céu. Assim ela pegará força para te levantar e te deixar em cima da prancha.

Mas ficar ereto em cima da prancha também não pode. Seu corpo tem que ficar inclinado para trás, de forma que a força do kite não seja grande o suficiente para te jogar para a frente nem pequena demais para que você afunde.

Mesmo com todas essas variáveis, consegui ser puxado por alguns metros em duas ou três ocasiões antes de cair. Não passou disso. Minha missão de voar ficou para outra oportunida­de. Ou, talvez, para outro esporte radical.

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Fotos Divulgação Praia do Preá, em Jericoacoa­ra (CE), que tem ventos ideais para a prática do kitesurfe
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O repórter durante aula do esporte na praia do Preá
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