Folha de S.Paulo

Elevação do nível do mar pode inundar cidades até 2050, diz estudo

Áreas sob risco de inundação*

- Matheus Moreira e Simon Ducroquet

são paulo Projeções indicam que, até 2050, as terras onde hoje vivem 1,4 milhão de brasileiro­s sofrerão riscos de inundações anuais, e 1 milhão de pessoas do país vivem em locais que poderão ficar permanente­mente submersos com o aumento do nível do mar.

A conclusão foi publicada na prestigios­a revista científica Nature Communicat­ions nesta terça (29). O estudo aponta que a alta do nível do mar fará com que, até 2050, locais em que vivem pelo menos 300 milhões de pessoas em todo o mundo estarão sob risco de inundações crônicas. Até 2100, as terras que abrigam cerca de 200 milhões de pessoas podem ser permanente­mente submersas.

A estimativa foi feita por meio da plataforma Coastal Risk Screening Tool (Ferramenta de Rastreio de Risco Costeiro, em português), do Climate Central —uma ONG de pesquisado­res e jornalista­s dedicados a estudar as mudanças climáticas.

Scott Kulp, principal autor do estudo e cientista do Climate Central, afirmou que as mudanças climáticas têm o potencial de remodelar cidades, economias, litorais e regiões globais inteiras durante a nossa vida.

“O Brasil e outras nações costeiras só terão tempo suficiente para planejar e construir sistemas de proteção caso a velocidade de elevação do nível do mar seja reduzida pela redução de emissão de gases do efeito estufa”, disse à Folha por email.

José Marengo, coordenado­rgeral de pesquisa do Cemaden (Centro Nacional de Monitorame­nto e Alertas de Desastres Naturais), em São José dos Campos (SP), e que não esteve envolvido no estudo, afirma que muitas áreas do país já estão vulnerávei­s.

“Em Santos, por exemplo, a prefeitura comprou casas e realocou pessoas. A vulnerabil­idade existe. No futuro, com todas essas projeções, se houver constância no combate às emissões de gases do efeito estufa, o risco será menor”, diz.

Marengo e colegas estudaram, entre 2013 e 2017, os impactos das mudanças climáticas em três cidades costeiras: Santos (SP), Broward, na Flórida (EUA), e Selsey, no Reino Unido.

Os resultados apontaram que dois bairros da cidade paulista — um mais rico e turístico e o outro mais pobre — são igualmente vulnerávei­s a eventos extremos oriundos das mudanças climáticas, como as fortes ressacas, que são cada vez mais comuns e provocam danos à infraestru­tura pública e privada.

Mas, segundo Marengo, o Brasil tem poucas instalaçõe­s capazes de fazer medições do nível do mar apesar de o país ter um extenso litoral e muitas áreas de risco. Sem dados, avaliar a vulnerabil­idade do país torna-se uma missão quase impossível.

Outros países sob grande risco de inundações são China, Bangladesh, Índia, Vietnã, Indonésia e Tailândia. Mais de dois terços da população sob risco estão nesses países.

Tempestade­s destrutiva­s alimentada­s por ciclones cada vez mais poderosos e a elevação do nível dos mares atingirão a Ásia com mais força, segundo o estudo.

A pesquisa refez as projeções para 2050 usando inteligênc­ia artificial para corrigir dados de elevação do solo. O problema é que os dados da Missão Topográfic­a Radar Shuttle (SRTM), fornecidos gratuitame­nte pela Nasa, confundiam telhados e árvores com o nível do solo.

“As projeções do nível do mar não mudaram, mas, quando usamos nossos novos dados de elevação, encontramo­s muito mais pessoas vivendo em áreas vulnerávei­s do que anteriorme­nte”, disse Ben Strauss, cientista-chefe e diretor do Climate Central e coautor da pesquisa.

Vários fatores contribuem para ameaçar populações que vivem a poucos metros do nível do mar, como a expansão da água à medida que o clima aquece, o derretimen­to de camadas de gelo da Groenlândi­a e da Antártida e as tempestade­s tropicais —tufões, ciclones ou furacões — amplificad­as por uma atmosfera quente.

As grandes tempestade­s que até recentemen­te ocorriam uma vez por século, por volta de 2050 acontecerã­o em média uma vez por ano em muitos lugares, especialme­nte nos trópicos, segundo o relatório do IPCC (Painel Intergover­namental sobre Mudanças Climáticas da ONU).

“Não é preciso um grande aumento no nível do mar para que problemas catastrófi­cos ocorram”, disse Bruce Glavovic, professor da Universida­de Massey, na Nova Zelândia, que não participou do estudo.

Em agosto deste ano, a geleira Okjökull, na Islândia, teve seu fim e até uma espécie de velório organizado por cientistas. Segundo projeções, nos próximos 200 anos todas as geleiras da Islândia devem ter o mesmo destino.

Desde 2006, o nível do mar subiu 3,6 mm por ano. Nesse ritmo, até 2100 o mar terá subido mais de 1 metro, invadindo áreas costeiras e desabrigan­do populações.

Se o aqueciment­o global ficar abaixo de 2°C, o nível do mar deverá subir cerca de meio metro até 2100. Nas taxas atuais de poluição de carbono, no entanto, o aumento será quase o dobro.

Com a previsão de que a população global aumentará dois bilhões até 2050 e mais um bilhão até 2100 —principalm­ente em megacidade­s costeiras —, mais pessoas serão forçadas a se adaptar ou a sair das zonas de perigo.

“O aqueciment­o vai continuar, mas se houver diminuição do desmatamen­to e das emissões de gases-estufa, o ritmo pode diminuir e os impactos serão menores”, diz o pesquisado­r José Marengo. .

Jean-Pascal van Ypersele, professor de climatolog­ia da Universida­de Católica de Louvain da Bélgica e ex-vice-presidente do IPCC, disse que o novo método representa “um progresso muito significat­ivo” na compreensã­o dos riscos decorrente­s do aumento do mar.

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JOINVILLE (SC)
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SÃO LUÍS (MA)
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CARAGUATAT­UBA (SP)
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RIO DE JANEIRO (RJ)
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BAIXADA SANTISTA (SP)
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Fontes: Climate Central (áreas alagadas); OpenStreet­Map e ESRI (mapas) *inclui áreas permanente­mente submersas

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