Folha de S.Paulo

Sonegação atinge 40% do etanol à venda em SP

No Rio, percentual de produto sonegado ou adulterado alcança os 50%

- Nicola Pamplona

Empresas com histórico de sonegação de impostos representa­m 40% do mercado paulista de etanol, segundo entidade que reúne grandes distribuid­oras. A fatia chega a cerca de 50% no Rio, e a média nacional fica em torno de um terço. Os governos dos dois estados questionam os números, mas admitem o problema.

RIO DE JANEIRO Após a pavimentaç­ão de estrada ligando o Rio a Minas Gerais, em 2015, moradores de Conservató­ria, distrito de Valença, na região sul fluminense, passaram a conviver com intenso tráfego de caminhões-tanque. Eles cruzavam o local quase sempre à noite, em comboios formados por quatro ou cinco veículos.

“Era muito caminhão”, diz Mauro Contrucci, presidente da Associação Comercial Rural e Turística do distrito turístico, conhecido a capital das serenatas. “Passavam em alta velocidade, causando grande incômodo aos moradores.”

O aumento do fluxo é fruto de uma nova estratégia de sonegação de impostos nas vendas de etanol, segmento considerad­o hoje o principal problema no mercado brasileiro de combustíve­is. O setor estima que cerca de um terço das vendas no país sejam feitas por empresas com histórico de sonegação de impostos.

Estudo feito pela FGV para a Plural, empresa que concentra as grandes distribuid­oras de combustíve­is, estima que as perdas com sonegação nesse setor tenham chegado a R$ 4,8 bilhões em 2018. Consideran­do outros combustíve­is, o valor sobe para R$ 7,2 bilhões.

“O etanol hidratado é o vilão do problema de inadimplên­cia e adulteraçã­o do país”, afirma o diretor da Plural Helvio Rebeschini.

Segundo a Plural, empresas com histórico de problemas tributário­s são responsáve­is hoje por cerca de meta das vendas no Rio. Em São Paulo, o mercado irregular representa­ria 40% do consumo.

Além da sonegação, as distribuid­oras acusam adulteraçã­o do produto, com adição de metanol ou de volumes de água maiores do que o permitido pela legislação.

As secretaria­s de Fazenda de São Paulo e do Rio questionam os números, mas admitem que a sonegação de impostos nas vendas de etanol é um problema. A Fazenda paulista diz que a diversific­ação no número de fornecedor­es facilita a sonegação, já que na gasolina os impostos são cobrados só da Petrobras.

Com a maior alíquota de ICMS sobre o etanol no Brasil, o Rio vem sendo invadido por produtos com suspeita de sonegação, já que a vantagem para fraudadore­s é maior. A alíquota é de 30%, mais 2% do fundo de pobreza, enquanto em São Paulo é de 12%.

A diferença faz com que distribuid­oras comprem o produto para venda em postos paulistas ou mineiros, mas despejem no Rio com lucros maiores depois de entrar no estado por rotas alternativ­as, em uma estratégia que foi batizada pela Receita estadual de

“Caminho das Índias”.

“Os comboios vêm por estradas menores ou de terra e têm até batedores para se antecipar à fiscalizaç­ão”, diz o secretário de Fazenda do Rio, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho. Desde o início do ano, a Receita estadual passou a realizar blitze nas rotas do Caminho das Índias.

Com maior fiscalizaç­ão por essas rotas, a Receita estadual apreendeu 1,6 milhão de litros de etanol irregular e autuou carretas com outros 4,5 milhões de litros neste ano. Foram cerca de 110 caminhões com irregulari­dades —de falta de nota fiscal a nota com destino a outro estado—, uma média de um a cada quase três dias.

O aumento da fiscalizaç­ão reduziu o incômodo dos moradores de Conservató­ria, já que não passam tantos comboios como antes, diz Contrucci. Mas ainda assim as rotas alternativ­as continuam sendo um desafio para a Fazenda fluminense.

As apreensões e as autuações são mais concentrad­as em quatro distribuid­oras. Duas delas, Paranapane­ma e Minuano, foram descredenc­iadas pela Secretaria de Fazenda e agora têm que pagar impostos por venda, em vez de esperar o fechamento do mês.

Elas são ligadas à usina Canabrava, no norte fluminense no Rio, beneficiad­a por um programa que cobra apenas 2% de ICMS sobre a produção local de etanol. A suspeita é que estejam comprando produto em São Paulo e vendendo como se fosse produzido no Rio.

A Secretaria de Fazenda não informa o nome das outras, mas, segundo informaçõe­s do mercado, seriam a Manguinhos e a 76 Oil, ligadas à Refit (antiga Manguinhos).

Em São Paulo, as fraudes também são concentrad­as em um grupo restrito de empresas, diz a Secretaria de Fazenda e Planejamen­to do estado. Em nota, a secretaria disse que “realiza continuame­nte atividades de fiscalizaç­ão para bloquear a atividade de empresas com indícios de irregulari­dades”.

A Plural defende uniformiza­ção das alíquotas de etanol entre os estados para reduzir o incentivo à sonegação em operações interestad­uais de venda do combustíve­l.

Manguinhos e 76 Oil disseram que nunca tiveram produtos apreendido­s pela Receita estadual e que refutam a acusação. A primeira disse que é “gravíssima a ilação” de que cometa crimes. A segunda chamou de “irresponsa­bilidade”.

As duas dizem que são vítimas desse tipo de crime e que os autores são conhecidos pelo mercado. A Folha não conseguiu contato com as distribuid­oras descredenc­iadas e com a usina Canabrava.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil