Folha de S.Paulo

Em suposto confronto, PM mata 17 em Manaus

Corporação diz que foi recebida a tiros, mas nenhum policial se feriu; adolescent­e de 14 anos está entre os mortos

- Fabiano Maisonnave e Monica Prestes

A PM matou 17 pessoas ontem em Manaus, em suposto confronto com suspeitos de tráfico. Duas das vítimas eram adolescent­es de 14 e 16 anos. Pela versão oficial, os criminosos se preparavam para atacar um grupo rival. O governo do Amazonas atribuiu a treinament­o o fato de nenhum agente ter se ferido.

manaus A Polícia Militar do Amazonas matou 17 pessoas entre a noite de terça (29) e a madrugada desta quarta-feira (30) no bairro Crespo, em Manaus, durante ação contra o tráfico de drogas. Nenhum policial se feriu.

Um dos mortos foi identifica­do extraofici­almente como Ueliton do Nascimento da Silva Junior, de 14 anos. Segundo moradores, que falaram sob a condição do anonimato, ele morava no bairro, não era ligado ao tráfico e foi baleado pelas costas ao tentar correr da confusão.

Os 17 mortos foram retirados da cena do crime antes da chegada da perícia. Moradores contam que alguns corpos foram colocados sobre cadeiras confiscada­s das casas e arrastados até as viaturas. Todos chegaram já sem vida às unidades de saúde, segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam).

Com a exceção de Silva Junior, os outros mortos não são da região. Identifica­dos pela PM como membros da facção criminosa Família do Norte (FDN), eles invadiram, sem encontrar resistênci­a, uma boca de fumo do bairro Crespo (ou Betânia), do rival Comando Vermelho (CV).

Acionada, a PM chegou em seguida; segundo a polícia, os traficante­s teriam reagido a tiros à abordagem. Cerca de 60 homens participar­am da ação, das Rondas Ostensivas Cândido Mariano (Rocam), considerad­a a unidade mais violenta da polícia amazonense, e da Força Tática.

Sempre falando sob a condição de anonimato, moradores relataram muitos disparos até por volta das 3h. Escondidos nas casas, eles não souberam dizer se houve troca de tiros. Segundo a PM, foram apreendida­s 17 armas de fogo.

O local é um emaranhado de casas de madeira construída­s sobre palafitas. Embaixo, há um igarapé tomado pelo esgoto e pelo lixo. Para caminhar entre os becos, é preciso pisar com cuidado em “ripraps”, como são chamadas as precárias passarelas construída­s com madeira reutilizad­a.

Em diversas paredes, iniciais do Comando Vermelho aparecem pichadas em vermelho. Moradores contam que não foi a primeira vez que a FDN tentou tomar a área. Na tentativa mais recente, há dois meses, a polícia teria sido chamada, mas não apareceu.

A reportagem viu algumas marcas de tiros em paredes, mas os moradores afirmaram que se trata de disparos antigos. Por causa da violência, muitas casas estão à venda –uma delas, de dois quartos, está sendo comerciali­zada ao preço de R$ 30 mil.

A Folha esteve no local pouco após homens da polícia militar terem baleado outra pessoa, em incidente ocorrido por volta das 9h30.

Aparenteme­nte morto, o homem foi carregado dentro de uma rede requisitad­a de uma das casas. A Secretária de Segurança Pública não informou seu estado de saúde até o fechamento deste texto.

Outras três pessoas foram presas pela manhã. Uma delas tinha tornozelei­ra eletrônica desativada, segundo policiais que fizeram a prisão.

Até a conclusão deste texto, o IML (Instituto Médico Legal) não havia divulgada uma lista oficial dos mortos. Em nota no final da tarde desta quarta, o órgão informou que havia identifica­do dez pessoas, mas que os nomes só seriam divulgados após as famílias serem contatadas.

Um dos mortos é o adolescent­e Alexsandro Custódio de Carvalho, 16, de acordo com

Christiane Custódio de Oliveira segura o RG do filho Alexsandro, 16, que estaria entre os mortos seus familiares. À espera do corpo, seu tio, o contador Christhoph­e Carvalho, 40, disse que o adolescent­e era membro de uma facção criminosa, com passagens pela polícia, mas afirmou que moradores da região negaram que houve confronto.

“Uma moradora falou que o filho dela foi morto sem ter nada a ver e que não houve troca de tiros, e sim que isolaram e foram dando tiro. Eu não posso confirmar nada, mas foi o que falaram”, relatou Christhoph­e, aparenteme­nte em referência à mãe do adolescent­e de 14 anos morto.

Entre janeiro e agosto, foram registrada­s 49 mortes pela polícia no Amazonas, quase o dobro do mesmo período do ano passado, quando foram registrada­s 25 ocorrência­s.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), se manifestou nas redes sociais. “Nós não vamos descansar enquanto nosso povo não se sentir seguro. Estamos trabalhand­o para garantir a segurança do cidadão que sai para trabalhar, todos os dias, para sustentar sua família, e para resguardar as vidas dos nossos policiais que estão nas ruas para nos proteger. Infelizmen­te, nessa batalha, perdem as famílias dos que se envolvem com o que é errado, mas ganha o cidadão de bem”.

Em entrevista coletiva, o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Louismar Bonates, afirmou que os policiais agiram em legítima defesa.

“O trabalho da polícia não é esse tipo de confronto, é prender as pessoas. Mas, se eles vierem levantar arma e trocar tiro com a polícia, infelizmen­te suas famílias é que vão chorar pelo ente perdido”, disse.

Questionad­o sobre a quantidade de mortos e nenhum policial baleado, ele atribuiu o fato à perícia e ao treinament­o da polícia e negou que ela atire para matar. “A polícia não mata. A polícia intervém tecnicamen­te. Poderá vir a óbito.”

A secretaria afirmou que as mortes por autos de resistênci­a são “um ato de legítima defesa própria ou dos colegas de farda, previsto no Código Penal”. Como é a praxe, o caso será apurado por meio de sindicânci­a investigat­iva pela Corregedor­ia e abertura de inquérito junto à Polícia Civil.

Questionad­a sobre a remoção dos corpos antes da perícia, a secretaria informou que ele foram levados para atendiment­o médico. “Somente nas unidades de saúde é que os óbitos foram confirmado­s.”

A Folha enviou perguntas por email sobre as circunstân­cias da morte do adolescent­e, mas não obteve resposta.

O Ministério Público Estadual abriu procedimen­to administra­tivo para investigar as mortes. “Há pontos a serem esclarecid­os. Só após essa rigorosa apuração, acompanhad­a de perto pelo MP, por meio da Promotoria Especializ­ada no Controle Externo da Atividade Policial, poderemos afirmar se a atuação foi regular ou não”, afirmou o promotor João Gaspar.

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Fabiano Maisonnave/Folhapress Policiais fazem abordagem em área de Manaus onde 17 foram mortos em suposto confronto
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Fabiano Maisonnave/Folhapress
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Edmar Barros/Folhapress Policiais no bairro em Manaus após madrugada em que 17 morreram

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