Folha de S.Paulo

Fábio Zanini

Bolsonaro se coloca na linha de frente dos embates sem intermediá­rios

- Fábio Zanini

Ataques à imprensa têm pouco paralelo histórico

Embora atritos entre presidente­s e órgãos de comunicaçã­o não sejam algo inédito, a forma e a intensidad­e dos ataques de Jair Bolsonaro (PSL) à imprensa têm poucos paralelos históricos.

Em transmissã­o pela internet feita ainda durante sua visita à Arábia Saudita, o presidente disse que a Rede Globo faz um jornalismo “canalha” e deu a entender que poderá não renovar a concessão da emissora em 2022.

Ela foi a responsáve­l por revelar a existência do depoimento de um porteiro em que ele menciona que um dos acusados de envolvimen­to no assassinat­o da vereadora Marielle Franco teria feito contato com a casa de Bolsonaro, num condomínio fechado no Rio de Janeiro, no dia do crime.

O Ministério Público do Rio, contudo, diz que a informação dada pelo porteiro, cujo nome não foi revelado, não é verdadeira.

Bolsonaro também já fez diversas investidas contra a Folha, desde a campanha eleitoral do ano passado, quando disse em um comício na avenida Paulista que o jornal é “a maior fake news do Brasil”.

Além disso, entrou com processo contra o jornal em razão de reportagem mostrando que empresário­s bancaram disparos de WhatsApp contra o PT durante a campanha.

Tentativas de intimidar a imprensa também foram uma tônica dos governos petistas, embora sem ameaças tão radicais como a feita por Bolsonaro contra a TV Globo, a Folha e outros veículos. Durante os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (20032010) e Dilma Rousseff (20112016), houve a defesa por parte de diversas lideranças petistas do cancelamen­to ou redução do volume de verba publicitár­ia oficial para órgãos de imprensa críticos ao governo, sobretudo a revista Veja.

Tais ameaças, contudo, se restringia­m ao entorno dos presidente­s, e não costumavam ser feitas por Lula e Dilma de viva voz.

Em 2016, após o impeachmen­t de Dilma, o PT lamentou, em documento interno, não ter “redimensio­nado sensivelme­nte a distribuiç­ão de verbas publicitár­ias para os monopólios da informação”.

Houve também tentativas de se criar um órgão para regular a atividade jornalísti­ca e o anúncio da revogação do visto de trabalho do então correspond­ente do jornal americano The New York Times. A forte reação negativa gerou recuo nos dois casos, contudo.

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) queixava-se frequentem­ente da imprensa, como deixa claro nos quatro volumes de seus “Diários da Presidênci­a”, mas nunca passava do ponto de considerá-la exagerada e futriqueir­a.

A Folha era um alvo frequente, como num registro, feito em 2001, a respeito da publicação de reportagem sobre o dossiê Cayman, conjunto de papéis forjados sobre supostas contas de tucanos num paraíso fiscal.

“A Folha vai continuar sendo o que ela é: um jornal que não mede as consequênc­ias dos escândalos que gosta de provocar e de produzir”, escreveu FHC.

A Folha também entrou na mira de Fernando Collor (1990-1992), que mandou a Polícia Federal invadir o jornal, em 1990.

Voltando mais no tempo, há embates duros entre presidente­s e a imprensa. Na Primeira República, era comum Redações de jornais, sobretudo no Rio, serem “empastelad­as” por turbas a mando de autoridade­s federais da área de segurança pública.

No Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas cometeu um dos atos mais duros de ataque à imprensa já registrado­s, ao intervir no comando do jornal O Estado de S. Paulo durante cinco anos (1940-1945). A direção do veículo não reconhece esse período como parte de sua história.

Na segunda passagem de Vargas pela Presidênci­a (19511954), houve novos embates, mas desta vez concentrad­os na Tribuna da Imprensa, que tinha como sua maior estrela o jornalista e futuro político Carlos Lacerda.

O atentado a tiros contra Lacerda, que teve as digitais do então chefe da guarda presidenci­al, Gregório Fortunato, foi o elemento que, em última análise, levou à derrocada final de Vargas, culminando com seu suicídio, em agosto de 1954.

Durante a ditadura militar (1964-1985), é frequente atribuir como uma ação do regime e de aliados a asfixia financeira do Correio da Manhã, que viria a morrer em 1974, após uma lenta agonia.

Considerad­o um diário combativo e vanguardis­ta desde seu surgimento, em 1901, até o golpe militar de 1964, o Correio acabou não resistindo ao novo clima político instalado pela ditadura, embora problemas internos do jornal também sejam apontados como uma das razões para seu desapareci­mento.

O que as investidas atuais têm de incomum, além da virulência, é o fato de o próprio Bolsonaro se colocar na linha de frente dos ataques, sem recorrer a intermediá­rios.

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Reprodução O presidente Jair Bolsonaro durante transmissã­o em que criticou a TV Globo

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