Folha de S.Paulo

Congresso e partidos reagem a fala de Eduardo sobre AI-5

Filho de Bolsonaro sugere volta do autoritari­smo contra radicais de esquerda e se retrata após repercussã­o

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Declaraçõe­s do deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP) em tom de ameaça sobre a edição “de um novo AI5” no país provocaram contundent­e reação de líderes do Congresso, governador­es, dirigentes partidário­s, ministro do STF e entidades jurídicas e da sociedade civil.

Em entrevista feita na segunda (28) e divulgada ontem, o filho de Jair Bolsonaro (PSL) afirmou em alusão à repercussã­o no Brasil dos atos no Chile: “Se a esquerda radicaliza­r a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5”.

O ato foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985). Assinado pelo marechal Arthur da Costa e Silva, resultou no fechamento imediato e por tempo indetermin­ado do Congresso Nacional e das Assembleia­s nos estados —à exceção de São Paulo.

Mais tarde, bombardead­o por pedidos de punição e cassação, Eduardo usou uma rede social para voltar a exaltar o regime de exceção.

Acabou se retratando ao final do dia, após ser censurado pelo próprio pai. “Essa arma [AI-5] não existe mais”, disse o presidente.

são paulo e brasília Declaraçõe­s do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em tom de ameaça sobre a edição de “um novo AI-5” no país provocaram forte reação contrária de líderes do Congresso, governador­es, dirigentes partidário­s de diferentes linhas ideológica­s, ministro do Supremo e entidades jurídicas e da sociedade civil.

As falas do filho de Jair Bolsonaro foram interpreta­das por vários grupos como sinal de pretensões autoritári­as e motivou uma tentativa do presidente da República de atenuar as interpreta­ções e negar plano antidemocr­ático.

Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar, nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilid­ade de um “novo AI-5”.

O Ato Institucio­nal número 5 foi editado em 1968 no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.

Eduardo fez a ameaça em entrevista à jornalista Leda Nagle realizada na segunda (28) e publicada nesta quinta (31) no canal dela no YouTube.

“Se a esquerda radicaliza­r a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, disse, ao tratar da possibilid­ade de manifestaç­ões como as ocorridas no Chile se repetirem no Brasil.

Depois, Eduardo publicou vídeo de 2016 no qual Jair Bolsonaro, então deputado federal, exalta a figura do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura e um dos principais símbolos da repressão na ditadura militar.

Horas depois, voltou a falar de AI-5, reafirmand­o que não se permitirá que a esquerda traga ao país protestos que ele considera ser “vandalismo e depredação” e que chegam “a ser terrorismo”.

Após ampla reação de repúdio da classe política e da ameaça inclusive de processo para cassação do mandato de Eduardo (pedido feito pela oposição), Jair Bolsonaro desautoriz­ou o filho. “Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI5 está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí”, afirmou. “Cobrem vocês dele, ele é independen­te.”

O presidente disse lamentar a declaração de Eduardo, mas disse que “qualquer palavra nossa vira um tsunami”.

“Essa arma [AI-5] não existe, e nem queremos, e nem pretendemo­s falar em autoritari­smo da nossa parte. Eu fui eleito democratic­amente, ele foi o deputado mais votado na história do Brasil”, disse Bolsonaro na entrevista à Band.

Depois de ser desautoriz­ado pelo pai, Eduardo afirmou que “não existe qualquer possibilid­ade de retorno do AI-5” e que houve uma “interpreta­ção deturpada” de sua fala.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que as declaraçõe­s de Eduardo sobre um novo AI-5 eram “repugnante­s” e deveriam ser “repelidas como toda a indignação” pelas instituiçõ­es brasileira­s.

“Se a esquerda radicaliza­r a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada Eduardo Bolsonaro em entrevista a Leda Nagle

Maia ressaltou ainda que a “apologia reiterada de instrument­os da ditadura é passível de punição pelas ferramenta­s que detêm as instituiçõ­es democrátic­as”. Em nota, disse que “o Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”.

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ser “um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrátic­o, fazer qualquer tipo de incitação antidemocr­ática”.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), criticou a declaração do filho do presidente. “A toada não é democrátic­a-republican­a. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democrátic­os”, afirmou à Folha.

O presidente do STF, Dias Toffoli, no entanto, silenciou diante das declaraçõe­s de Eduardo, assim como Sergio Moro, ministro da Justiça.

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou que, com sua fala, Eduardo deixou claro que a gestão Jair Bolsonaro “quer seguir o caminho do fascismo”.

Relator no Congresso da emenda constituci­onal que extinguiu o AI-5, o ex-presidente José Sarney (MDB) afirmou em nota: “Lamento que um parlamenta­r, que começa seu mandato jurando a Constituiç­ão, sugira, em algum momento, tentar violá-la”.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a ruptura do modelo democrátic­o era inaceitáve­l. “As instituiçõ­es funcionam e toda e qualquer ameaça à conquista do Estado democrátic­o de Direito deve ser repelida. [...] O país quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituiç­ão”, disse.

Candidato do PT à Presidênci­a em 2018, Fernando Haddad afirmou que “a única punição cabível” à fala de Eduardo “é a perda do mandato”. Ciro Gomes (PDT) disse que “esse bando de lunáticos está ultrapassa­ndo qualquer limite”.

O presidente do DEM, ACM Neto, emitiu nota na qual classifica a fala de Eduardo Bolsonaro como uma “inaceitáve­l afronta à democracia”.

Os nove governador­es do Nordeste divulgaram nota conjunta dizendo repudiar ameaças autoritári­as e afirmando que defender a democracia é fundamenta­l para que haja paz no país.

A direção nacional do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, emitiu nota na qual, “com veemência”, diz repudiar “qualquer manifestaç­ão antidemocr­ática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritári­os”. “A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitáve­l”, diz o texto.

A Procurador­ia Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, disse que a declaração de Eduardo Bolsonaro não é um fato isolado e mencionou episódios anteriores, como a afirmação de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, e o vídeo que mostra a corte como uma hiena atacando a Presidênci­a da República.

Após a fala do presidente, parte da ala militar tentou também fazer ponderaçõe­s.

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou: “Por mais imperfeito que seja o sistema democrátic­o, já dizia Winston Churchill [exprimeiro-ministro do Reino Unido]: ‘é o melhor de todos’”.

“Precisamos buscar serenar ânimos. Não podemos criar fantasmas onde não existe. Opiniões não podem servir para distorcer os fatos ou potenciali­zar diferenças políticas”, escreveu nas redes sociais o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.

O também general Eduardo Rocha Paiva, da Comissão de Anistia do governo federal, disse que o contexto atual do país é diferente ao de 1968.

“Só uma convulsão social, com risco de guerra civil e perda de autoridade dos poderes da União, justificar­ia uma intervençã­o das Forças Armadas para cumprir a missão de defender a pátria”, disse.

Leia mais sobre o caso nas págs. A10, A12 e da A18 a A20

“Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí Jair Bolsonaro em comentário sobre a declaração do filho

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Reprodução Eduardo Bolsonaro durante entrevista a Leda Nagle

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