Folha de S.Paulo

Escalada autoritári­a é blefe, mas pode sair do controle

Família presidenci­al sobe o tom quando se vê sob pressão, mas há risco real

- Igor Gielow

são paulo O mais recente volume puxado da prateleira de provocaçõe­s institucio­nais por um membro da família Bolsonaro está na praça: a sugestão feita pelo deputado federal Eduardo (PSL-SP) de reeditar o Ato Institucio­nal número 5 caso a esquerda promova protestos radicais.

Inicialmen­te, seria preciso apontar onde estão, ou estarão, tais manifestaç­ões.

Um fenômeno notável que acompanhou a debacle do PT no poder federal foi a substituiç­ão de forças esquerdist­as por movimentos à direita como dínamos principais de protestos de rua no país. Dilma Rousseff caiu, também, por isso em 2016.

Desde o começo dos protestos contra o governo de centro-direita de Sebastián Piñera no Chile, Eduardo, seu irmão Carlos e outros expoentes do bolsonaris­mo de grande valentia na frente de teclados vêm apontando uma suposta trama continenta­l esquerdist­a que logo chegaria ao Brasil.

Entraram na conta da suposta conspiraçã­o balbúrdia nas ruas do Equador, a volta do peronismo na Argentina e até o petróleo que emporcalha a costa nordestina.

Ato contínuo, o pai da turma, Jair Bolsonaro, corroborou as hipóteses de forma genérica e invocou a possibilid­ade de chamar as Forças Armadas por meio do artigo 142 da Constituiç­ão, que regula o papel da instituiçã­o e diz que ela está lá também para garantir a lei e a ordem se convocada por um dos três Poderes.

Generais se entreolhar­am calados, dado que temem ser usados como bucha de canhão de uma luta quixotesca —muitos devem se perguntar se estavam certos no seu entusiasmo com o governo do capitão reformado.

Na cúpula da ativa, é minoritári­o o apoio ao chamado olavismo, o agrupament­o de seguidores das ideias veiculadas pelo escritor Olavo de Carvalho, radicado nos EUA.

Na terça (29), Eduardo insinuou que poderia haver uma solução repressiva por aqui se o Chile contaminas­se as ruas brasileira­s. Nesta quinta (31), deu nome aos bois.

Há algumas variáveis a considerar. Primeiro, de DNA. O bolsonaris­mo dito raiz, personific­ado pelos filhos do presidente, pelo chanceler Ernesto Araújo, pelo ministro Abraham Weintraub, pelo assessor palaciano Filipe Martins e outros seguidores de Olavo, sempre pregou uma delirante solução de força para os problemas do país.

Em 22 de março, o antes obscuro Martins escreveu sem o recato que se supõe de um funcionári­o do Planalto que o povo deveria mostrar aos políticos e ao Judiciário “quem manda no país”. E recorrente, entre os aderentes da seita olavista, a ideia de que são capazes de mobilizar a nação em torno do dito “mito”.

Pinçar declaraçõe­s flagrantem­ente antidemocr­áticas do presidente é um esporte sem emoções, de tão facilmente jogado. Assim como a dos filhos, o loquaz Carlos à frente —recentemen­te, ele sugeriu que a democracia não facilitava o avanço de agendas supostamen­te boas para o país.

Assim, é bem provável que Eduardo, o mesmo que havia sugerido o fechamento do Supremo Tribunal Federal com mínimo aparato militar, acredite mesmo que uma AI-5 seria necessário. O fato de não haver distúrbios nas ruas hoje é mero detalhe de realidade.

Obviamente, não se trata de tratar a esquerda como um cordeiro inocente. É também do DNA daquele campo a radicaliza­ção. Mas a violência associada a manifestaç­ões do passado recente, e junho de 2013 é a régua, têm menos a ver com o PT e mais com a degeneraçã­o promovida por black blocs e afins —apoiados, ideologica­mente, por franjas da esquerda urbana.

Outro ponto central é a considerar é o contexto. Toda essa agitação bolsonaris­ta acompanha o adensament­o das notícias negativas que vêm das investigaç­ões sobre o passado do clã no Rio. Os recados de Fabrício Queiroz a Flávio Bolsonaro, novas apurações acerca de Carlos, o atabalhoad­o e mal-explicado episódio da citação falsa ao presidente no caso Marielle Franco.

É um padrão. Sempre que a família está sob pressão, surgem essas hipérboles por parte do clã presidenci­al.

É uma tática retirada do livro Donald Trump de tergiversa­ção política via Twitter, e tem funcionado a contento ao ser macaqueado cá nos trópicos. Quando fica feio demais, pede-se desculpas como Eduardo teve de fazer após ver engrossar o coro por sua cassação e bola para frente.

É uma versão 4.0, ou algo assim, dos velhos tomos conspirató­rios forjados para justificar repressões no passado.

Estão aí para contar história os “Protocolos dos Sábios do Sião”, peça antissemit­a do Império Russo que teve utilidade estendida até o nazismo dos ao inventar uma trama judaica para dominar o mundo.

Ou então o brasileirí­ssimo Plano Cohen, falsificaç­ão integralis­ta sobre um golpe comunista que ajudou Getúlio Vargas a virar ditador em 1937.

O problema é que, de factoide em factoide, os limites podem chegar a pontos de ruptura. Uma provocação aceita aqui, um erro de cálculo ali, e algo sério pode acontecer —esse é o risco da escalada autoritári­a do clã Bolsonaro.

O teste de fogo será a eventual libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como até os mármores do Supremo sabem.

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É um padrão: sempre que a família está sob pressão, surgem essas hipérboles por parte do clã presidenci­al; é uma versão 4.0, ou algo assim, dos velhos tomos conspirató­rios forjados para justificar repressões no passado

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