Saída de Lula da prisão reaviva brigas familiares adormecidas após eleições
Discordância ressurgem no WhatsApp, e parentes agora temem um novo Natal de desavenças
são paulo “Gente, com todo respeito, aqui não é grupo para discutir política. Vamos marcar um churrasco para ver o jogo do Flamengo”, apelou Luiz Sergio Oliveira Júnior, 21, no grupo de WhatsApp da família no último dia 8.
As discussões inflamadas, que apartaram parentes durante a eleição presidencial e colocaram o Natal em risco no ano passado, voltaram com tudo após a soltura do ex-presidente Lula (PT) após decisão do Supremo Tribunal Federal.
Em um mesmo dia, por exemplo, Bolsonaro chamou Lula de canalha, e o petista ligou o presidente às milícias do Rio.
“As pessoas estão levando política muito a sério. Ficam falando bobeira, sem medir que é uma pessoa da família, perdem o senso”, diz Júnior, ao justificar o pedido para que o tema fosse deixado de lado.
Morador do Rio e estudante de mecânica, ele votou em Jair Bolsonaro no segundo turno. Acredita que Lula não deveria ter sido solto por haver provas robustas contra ele, mas não é a favor da prisão logo após condenação em segunda instância para todos os casos.
A discussão no grupo com cerca de 15 pessoas começou quando uma tia criticou Lula. Uma prima “que é esquerdista total” rebateu. “Mas já esteve pior. Na eleição, tinha gente sem se falar.” Apesar disso, a família continua próxima e se vê com frequência.
Especialistas ouvidos pela Folha advogam pela manutenção das relações familiares mesmo quando há discordância política —a não ser que a convivência atinja um nível insuportável. Em geral, a ideia é tentar conversar civilizadamente e, quando isso não for possível, evitar o assunto.
“Essas discussões se tornam bastante infrutíferas caso não se consiga chegar a qualquer termo comum. É cada um tentando sobrepor seu ponto de vista. Se não há abertura para mudança, o debate é inútil e só vai esquentar os ânimos”, diz Ronaldo Pilati, professor de psicologia social da Universidade de Brasília e presidente eleito da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).
Na família de Sarah Silva, 23, o grupo de WhatsApp chegou a ser desfeito na eleição do ano passado. Não voltou até hoje, de modo que a discussão por causa da liberdade de Lula se deu no Facebook.
“Estava virando uma coisa muito pesada mesmo, o pessoal só falava disso. A moderadora, minha prima, excluiu o grupo”, lembra. “Estava tudo tranquilo até Lula ser solto.”
A maior parte da família, de mais ou menos 25 pessoas, é simpática ao petista, mas há uns quatro ou cinco que preferem Bolsonaro. “Não sei como vai ser no Natal depois dessa soltura do Lula. Principalmente porque tenho uma tia que mora em Brasília e é muito petista. Ninguém pode falar mal do Lula”, diz Sarah.
Em 2018, houve pequenas discussões na ceia da família Silva, e Sarah acha que isso pode se repetir. Estudante de administração em Fortaleza, ela diz que não é tão petista e participa pouco das discussões.
“Se alguém fala que [Bolsonaro] é um bom governo, eu já não concordo. Então às vezes eu retruco, mas só de vez em quando, porque não vou perder meu tempo com isso.”
“Temos que ter consciência de que não vamos conseguir convencer ninguém. O outro não quer ser convencido. Ou aprende a conversar e cada um se respeita ou muda para um assunto que não gere polêmica”, recomenda o médico e psicólogo Roberto Debski.
“É melhor manter a amizade e o bom relacionamento do que querer convencer o outro e às vezes prejudicar uma relação que era boa.”
Para não se engajar na discussão de WhatsApp, é preciso autocontrole. Refletir, respirar, contar até dez e só responder quando estiver calmo. Outra dica é imaginar que a pessoa da qual discorda é seu chefe —numa situação de trabalho, as pessoas se seguram e são polidas em vez de arrumar confusão.
“Fale ‘eu não concordo com isso, mas vamos mudar de assunto’. Não é difícil fazer isso. É porque a pessoa quer ser dona da razão. E ninguém é dono da razão”, afirma Debski.
Para os especialistas, cabe pedir desculpas e reconhecer excessos se a briga já aconteceu. “Se as pessoas têm vontade de reatar e não conseguem, podem buscar ajuda de um profissional”, diz Pilati, professor de psicologia.
Apesar de o bom senso indicar limites, Caio Santana, 21, é dos que não fogem da briga e diz não ter papas na língua.
No ano passado, em uma família com maioria de esquerda, foi ao Natal vestido com uma camiseta de Bolsonaro. Um primo da comunidade LGBT vestiu um arco-íris, e o confronto estava posto.
Neste ano, Santana desistiu de passar o Natal na casa da tia. Vai se reunir só com os pais, o irmão e a mulher, que compartilham do bolsonarismo.
“O grupo estava calmo, mas o pessoal da esquerda comemorou a soltura de Lula. E a gente rebateu. Sempre com ânimos aflorados”, conta Santana, motorista e segurança que mora em São Paulo.
“Eu respondo sempre, já ficamos calados muito tempo. Eu procuro não xingar, mas sempre tem uma ironia.”
A professora de psicologia da Universidade Federal de São Carlos Elizabeth Joan Barham recomenda respeito na hora de discutir política com a família.
“Tem que contar com sua calma, não pode fazer comentários depreciativos, inflamatórios, irônicos, inferindo que a posição do outro está errada. A qualquer sinal de que está menosprezando, não tem mais conversa, só tem briga.”
Em comparação com o WhatsApp, as discussões ao vivo na família são de menor intensidade, segundo os jovens ouvidos pela Folha.
O professor Pilati, da UnB, diz que as conversas virtuais são fragmentadas e limitadas, por isso acabam apenas reforçando o estereótipo que a pessoa já tem sobre o outro.
Pilati aponta ainda uma particularidade da discussão política em família. “As relações familiares são precedidas por outras questões. Há história e outros motivos que levam ao afeto ou à falta de afeto e entendimento. O tema político pode estar apenas exacerbando essas questões que estão por baixo.”
Taynara Santin, 16, estudante de Xanxerê (SC) que defende Lula em meio a uma família pró-Bolsonaro, arranjou um jeito divertido de responder a provocação de tios.
“Eu e minha irmã começamos a mandar um monte de figurinhas, só pra zoar”, diz. Desde que a família decidiu evitar as grandes discussões, predominam brincadeiras e amenidades no grupo.